Notas sobre a crítica de Horkheimer e Adorno a Kant e ao Esclarecimento.
Por NORBERT TRENKLE.
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Dificilmente existe uma crítica mais radical do Esclarecimento do que a da Dialéctica do Esclarecimento, anterior ou posterior à sua publicação. É isso que explica a sua permanente actualidade e o fascínio até hoje exercido por esta obra, oscilando entre uma identificação admirativa e uma vigorosa contestação. Manifestamente, a DE marca uma fronteira da crítica, perante a qual a consciência burguesa temerosamente recua, pois de outra forma deveria colocar-se em questão a si mesma. Os próprios autores não se sentiram completamente à vontade perante as consequências do seu pensamento. Enquanto Horkheimer acabou por retornar finalmente ao regaço do Esclarecimento e da Democracia Ocidental, Adorno não renegou o seu pensamento Crítico, mas também na sua última obra se encontram claros traços de uma travagem. No fundo, a Dialéctica é o documento de uma crítica que sempre parcialmente se desdiz, por se atemorizar consigo própria. Nesta medida, o seu movimento argumentativo não reside, pelo menos em parte, na dialéctica das coisas, mas, pelo contrário, contraria-a. O que eu pretendo é demonstrar aqui isto mesmo e esclarecer as razões porque assim é como condição prévia necessária para levar a cabo uma crítica plenamente consequente do Esclarecimento.
1.
O objectivo central da crítica de Horkheimer e Adorno na Dialéctica é o formalismo da Razão tal como desenvolvido, na sua forma mais pura, por Kant, ou seja, a indiferença da Razão perante qualquer objecto determinado e, portanto, a submissão da substância à forma. Neste formalismo se fundamenta a hibris do sujeito contra o objecto, que é, ao mesmo tempo, a sua prisão. Enquanto o objecto, que é identificado em substância com a Natureza exterior e sobretudo interior, aparecer como algo a dominar, também o sujeito não poderá liberar-se do imperativo cego da sua segunda natureza, a dominação. A Razão formalista revela-se assim como princípio de dominação, ou seja, como o contrário da emancipação. E é precisamente neste ponto que ela se liga estreitamente ao seu aparente opositor, o contra-Esclarecimento ou o Irracionalismo; estes não são seguramente o “completamente outro”, nem certamente um resquício do pensamento pré-Iluminista, mas representam o lado obscuro do Esclarecimento e estão com ele indissociavelmente ligados.
Os “escritores malditos” da época burguesa, como certeiramente realçaram Horkheimer e Adorno, em última instância, limitaram-se a enunciar aquilo que no Esclarecimento já estava contido como consequência. E por isso a burguesia os considerou tabu, os silenciou e os odiou:
“Não ter escondido, mas espalhado por todo o mundo, a impossibilidade de fundar na Razão um argumento contra o assassínio, desencadeou o ódio com que mesmo os progressistas perseguem ainda hoje Sade e Nietzsche. Diversamente do Positivismo Lógico, ambos levam a ciência ao pé da letra” (DE, p. 107). E um pouco antes lê-se: “os escritores malditos da época burguesa não procuraram contornar o Esclarecimento, como os seus apologetas, com doutrinas harmoniosas. Não esconderam que a Razão formal, num aspecto mais estrito, está plenamente de acordo quer com a Moral quer com a Imoral. Enquanto os “esclarecidos” protegiam a aliança indissolúvel entre Razão e delito, entre sociedade burguesa e dominação, eles proclamavam impiedosamente a chocante verdade” (DE, p. 106).
Esta visão é naturalmente uma clara afronta para todos os porta-estandartes do Esclarecimento, que até hoje nos quiseram ensinar que a Razão moderna é a cúpula da evolução humana, do “progresso” e da humanidade. A crítica tem um efeito demolidor. O que deveria ainda ser salvo do Esclarecimento se da sua Razão não pode extrair-se nenhum argumento de princípio contra o assassínio e ela se encontra numa aliança indissolúvel com o delito? É frequentemente observado que estas frases foram escritas sob a pressão do Nacional-Socialismo e dos seus crimes. Daí o seu pessimismo. Isto é verdade, mas não explica o pressuposto que lhe subjaz: que mesmo perante a circunstância histórica casual de uma forte aliança militar que, em nome do Esclarecimento (interpretado como Liberdade e Democracia, de um lado, e como Socialismo, do outro), combatia a barbárie nacional-socialista tenha ficado claro que, também do ponto de vista filosófico, a Razão deve ser separada da Crítica. Que Horkheimer e Adorno tenham, apesar de tudo, sido consequentes com o seu pensamento é um facto que não será demais salientar.(1)
Vejamos a sua argumentação de mais perto. A estreita relação entre a Razão formal e o seu lado obscuro revela-se no facto de a indiferença da Razão perante o seu objecto determinado ir de par com uma consequente racionalização da acção humana. Paradigmaticamente, Horkheimer e Adorno dão o exemplo de Sade:
“A Razão é o órgão do cálculo, da planificação, é neutra relativamente aos fins, o seu elemento é a coordenação. O que Kant fundamentou transcendentalmente, a afinidade do conhecimento e da planificação, que marcou com o carácter de incontornável eficácia a existência burguesa, já inteiramente racionalizada até aos interstícios, foi descoberto empiricamente por Sade mais de um século antes da descoberta do desporto” (DE, p. 80).
Do ponto de vista da Razão formal, é indiferente que se trate de organizar uma fábrica, de andar de bicicleta ou de torturar e massacrar sistematicamente seres humanos. As tentativas de Kant de diferenciar um do outro falharam, como mostraram com inteiro acerto Horkheimer e Adorno, pela própria lógica interna do seu sistema:
“A obra de Sade, como a de Nietzsche, constitui a crítica intransigente da Razão Prática, em contraposição com a qual a própria Crítica de Kant aparece como uma revogação do seu próprio pensamento. Ela eleva o princípio científico a princípio destruidor. Kant já há tanto tempo expurgara de qualquer crença heterónoma a lei moral em mim, que o respeito pelas suas asseverações se tornou um mero facto pessoal psicológico, como é um facto natural físico o céu estrelado sobre mim … Mas os factos nada valem onde não existem” (DE, p. 85).
Isto é particularmente claro no preceito Kantiano da apatia, segundo o qual o homem não deve deixar-se conduzir, em nenhuma circunstância, pelos seus sentimentos, inclinações e desejos, mas seguir apenas a “lei moral”, ou seja, o princípio formal abstracto, transcendental, depurado de qualquer sentido concreto, da mais elevada máxima da Razão Prática: “age de tal maneira que a máxima a que obedece a tua vontade possa ser transformada em qualquer momento em princípio de uma legislação geral” (Crítica da Razão Prática, p. 140). Na obediência a este princípio, os sentimentos e inclinações só poderiam ser prejudiciais, por se dirigirem ao individual, ao especial e não ao abstracto e geral; por serem volúveis e inseguros devem ser impiedosamente eliminados. Mesmo o tipo de sentimentos é indiferente. Amor ou ódio, gozo perante o sofrimento alheio ou compaixão, todos os sentimentos são incluídos no veredicto de “espúrios” e “patológicos” (CRP, p. 125) (2). Kant afirma expressamente:
“O próprio sentimento de compaixão e o sentimentalismo, quando se sobrepõe à consciência do dever, é penoso para o indivíduo completamente racional, confundindo as suas orientações racionais, e desencadeia no indivíduo o desejo de se libertar deles e de se submeter exclusivamente aos imperativos da Razão (CRP, p. 258). E noutro passo: “A virtude, na medida em que está fundada na liberdade interior, também contém para os homens um mandamento afirmativo, … que é o de não se deixar dominar pelos seus sentimentos e inclinações (o dever da apatia): porque se a razão não toma as rédeas do governo, aqueles agem sobre os homens como se fossem seus amos” (Princípios Metafísicos da doutrina da virtude, citado por H/A em DE, p. 86)
No “dever de apatia” Kant encontra-se com Sade e Nietzsche, que sobre este ponto se manifestam de forma quase idêntica. Para Nietzsche, a compaixão é “mais prejudicial que qualquer vício” (inversão dos valores, cit. in DE, p. 88); para ele a compaixão é uma pérfida descoberta do Cristianismo para impedir os “fortes de fazerem aquilo que por natureza lhes cabe, nomeadamente, submeter os “fracos” e fazerem deles o que entenderem.
“Exigir dos fortes que não se comportem como fortes, que não tenham uma vontade de poder, uma vontade de submeter os outros, uma vontade de senhores, uma sede contra os inimigos, de resistência e de triunfo, faz tão pouco sentido como exigir dos fracos que se comportem como fortes” (Genealogia da Moral , citado in DE p. 89).
O que Nietzsche aqui revela é muito diferente de uma vontade de poder arcaica, mas a expressão mais avançada da disposição interna do sujeito da concorrência desenfreada do Capitalismo. Coisas menos patéticas, mas não menos agressivas podem encontrar-se em inúmeros manuais de gestão e nos panfletos social-darwinistas da propaganda do Liberalismo e do Neo-Liberalismo. A invocação da Natureza é, na realidade, como sempre no pensamento burguês (e evidentemente também em Kant) (3) apenas a afirmação mistificada e inconsciente da ordem dominante e das suas leis de selva secundária(4). É a “segunda natureza” constituída pelo valor, o movimento autotélico da valorização que impõe aos homens o “dever da apatia” e nomeadamente a absoluta indiferença perante o conteúdo e as consequências das suas acções e, sobretudo, perante os outros homens, considerados apenas como mercadorias concorrentes. A Razão formal nada tem a opôr à dinâmica da violência, da destrutividade e desumanidade assim desencadeada, pois que lhe é inerente. Até a tentativa de Kant de substituir a compaixão pelo princípio da “geral boa vontade para com o género humano” permanece prisioneira da lógica que quer subsumir toda a realidade a princípios gerais e abstractos, e por isso erra o alvo:
“O Esclarecimento não se deixa enganar; nele, o facto universal não tem nenhum privilégio sobre o facto particular, nem o amor sem limites sobre o amor limitado. A compaixão é suspeita” (DE, p. 92).”
É esta lógica que une estreitamente o Esclarecimento e o contra-Esclarecimento. O que é particularmente visível onde Nietzsche aparentemente mais acerbamente se afasta de Kant, nomeadamente na recusa de leis universalmente válidas e transcendentais da Razão. Neste ponto, encontra-se com ele, sem o querer, da forma mais estreita:
“É verdade que ele nega a lei, mas ele quer pertencer ao ‘eu superior”, não ao natural, mas ao mais que natural. Ele quer substituir Deus pelo super-homem porque o monoteísmo, sobretudo na sua forma corrompida, o Cristianismo, se tornou transparente como a mitologia. Mas do mesmo modo que os velhos ideais ascéticos ao serviço desse eu superior são enaltecidos por Nietzsche a título de auto-superação em vista do ‘desenvolvimento da força superadora’, assim também o eu superior se revela, enquanto tentativa desesperada de salvar Deus, alegadamente morto, como a renovação do empreendimento de Kant no sentido de transformar a lei divina em autonomia para salvar a civilização europeia, que, no cepticismo inglês, já entregara o espírito ao criador. O princípio de Kant de “fazer tudo com base na máxima da vontade, de tal forma que esta pudesse ao mesmo tempo ser o objecto de uma vontade legisladora universal” é também o segredo do super-homem. A sua vontade não é menos despótica do que o imperativo categórico” (DE, p. 103).
Que esta perspectiva de Horkheimer e de Adorno tinha de conduzir ao pessimismo e à resignação parece indesmentível. Pois quando o próprio Esclarecimento é cada vez mais impregnado pela dominação e se torna cada vez mais negativamente idêntico ao seu contrapolo anti-Esclarecimento como poderia ainda ser possível a emancipação social ? Esta, em rigor, deixaria de ser possível e ficaria por explicar a possibilidade de uma crítica do irracional remanescente se todo o pensamento conduzido pela Razão necessariamente se devesse converter no irracional. Este pessimismo radical não resulta, ao contrário do que muitas vezes se sustenta, de uma crítica em excesso ao Esclarecimento, mas, pelo contrário, de Horkheimer e Adorno partilharem de alguns pressupostos e premissas base do Esclarecimento, não os tematizando e não os pondo em causa, mas, umas vezes explícita, outras implicitamente, assumindo-os. Nesta perspectiva, não vão suficientemente longe na sua crítica. E este é o motivo fundamental porque têm sempre de se retractar para se protegerem das consequências pessimistas da sua crítica. Só a referenciação desta lacuna cega poderia oferecer uma escapatória do beco sem saída para as aporias da DE, sem relativizar minimamente o projecto aí iniciado.
2.
O problema essencial reside no facto de Horkheimer e Adorno terem operado com conceitos históricos completamente não especificados de Esclarecimento e de Razão. Os autores identificam o Esclarecimento com o pensamento racional, que permitiu a libertação da humanidade do pensamento mitológico. Ele é entendido, na fórmula tomada de empréstimo a Max Weber, como “desencantamento do mundo”, como se pode ler logo na primeira frase da Dialéctica do Esclarecimento: “O Esclarecimento, no sentido mais amplo de progresso do pensamento, tem perseguido sempre o objectivo de livrar os homens do medo e de os investir na posição de senhores…O programa do Esclarecimento era o desencantamento do mundo. O seu objectivo era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber” (DE, p. 7; itálico N. Trenkle). Contudo, como sempre que se argumenta no plano antropológico, ou seja, não historicamente, ou de forma historicamente não especificada, trata-se de uma projecção; ou, melhor de uma retroprojecção das relações sociais burguesas para toda a história da humanidade. Nesta hipótese, é o conceito moderno de Razão e de Esclarecimento que é entendido trans-historicamente e retroactivamente universalizado.
“É muitas vezes difícil subtrairmo-nos à impressão de que, em Adorno, os traços específicos das épocas históricas desaparecem diante da acção de certos princípios invariáveis, como a dominação e a troca, que existem desde o começo da história. A Dialéctica do Esclarecimento situa a origem dos conceitos identificadores num passado bastante remoto. A lógica nasce das primeiras relações de subordinação hierárquica (DE, p. 23), e com o “eu” idêntico através do tempo principia a identificação das coisas mediante sua classificação em espécies. A afirmação “unidade é a palavra de ordem, de Parménides a Russell. Continua-se exigindo a destruição dos deuses e das qualidades” (DE, p. 11), o que significa que hoje, como nos tempos dos pré-socráticos, vigora o mesmo “Esclarecimento”. Deveria parecer a Adorno pouco menos que impossível libertar-se da reificação, uma vez que esta lhe aparecia enraizada nas estruturas mais profundas da sociedade” (Jappe, 1995, pp. 164 e segs.).
Na concretização da sua crítica, Horkheimer e Adorno têm sempre em mira (na Dialéctica mas também na maior parte dos escritos posteriores) os filósofos clássicos do Esclarecimento da época burguesa ou os seus seguidores e os seus críticos anti-Esclarecimento; têm portanto diante dos olhos uma época histórica determinada. Isto torna-se especialmente claro na crítica ao formalismo da Razão em Kant. Esta crítica deve no entanto aplicar-se às épocas anteriores e à expressão do seu pensamento. Só que esta intenção transhistórica abrangente ficou como programa não cumprido, e não por acaso, pois a tentativa de o levar à prática tornaria claro o seu carácter projectivo, como acontece com o famoso excurso sobre Ulisses, em que este (mesmo que ainda parcialmente envolvido no mito) nos é apresentado como protótipo do carácter burguês (5).
Naturalmente, Horkheimer e Adorno não ignoram que Razão e Esclarecimento só no decurso de um processo histórico se tornaram naquilo que seriam na época burguesa. Mas este processo, tal como eles o descrevem e sobretudo o interpretam, traz insofismavelmente as marcas da filosofia burguesa da História do Iluminismo. Ele é visto, no fundo, como desenvolvimento teleológico, descrito como vir à realidade (“zu-sich-kommen”) de algo que já estava presente no primeiro lampejo da Razão ou até no primeiro passo no sentido da separação da Natureza (e portanto na magia e no mito se encontraria já, in nuce, o Esclarecimento e, por isso, aquele sobreviveria neste). O ponto central é a falhada separação da Natureza, que se transformou em dominação, um ponto que é pressuposto da Dialéctica no seu conjunto (V. Também Wiggershaus, 1988, pp. 372-376). Para citar só um texto entre muitos outros:
“Toda a tentativa de quebrar o imperativo da Natureza, pela qual a Natureza é vencida, redunda apenas na recaída ainda mais fundo no imperativo da Natureza. Este foi o processo da Civilização Ocidental” (DE, p.15).
Com isto não pretendem Horkheimer e Adorno simplesmente descrever nem a passagem do animal ao humano nem a pré-história ou a protohistória das relações dos homens com a Natureza – o que não seria, em última análise, mais do que pura especulação, pois os começos da humanidade estão envolvidos nas trevas da pré-história. Eles pretendem antes ter descoberto aqui o ponto de partida decisivo, o fundamento da história da humanidade até aos nossos dias e portanto o princípio de todo o desenvolvimento da história do espírito. No princípio está um pecado original secundarizado, que era inevitável como condição da hominização, mas que arrastou todos os vindouros na sua excomunhão. Toda a História da humanidade é interpretada como progressiva sujeição da Natureza exterior e sobretudo interior, um processo a partir do qual resulta igualmente o crescente e cada vez mais premente domínio do homem sobre o homem. É o que se lê num trecho da última parte da Dialética:
“Uma construção filosófica da História Universal tinha que mostrar como, apesar de todos os desvios e oposições, o consequente domínio da Natureza cada vez mais decisivamente era executado e integrado no interior dos homens. Deste ponto de vista, também se deduzem as formas da economia, da dominação e da cultura” (DE, p. 200, itálico N.Trenkle).
Este fragmento tem como título “para a crítica da filosofia da história”, mas não de forma totalmente ajustada. Pois o que aqui é expressamente admitido (e implicitamente em toda a Dialéctica e principalmente no pensamento posterior de Horkheimer e Adorno) é nada menos do que o postulado de filosofia da história que está na tradição do Esclarecimento. A diferença está apenas no seu carácter resignativo. Já não se trata da gloriosa marcha do progresso, mas da sombria caminhada do destino. A libertação da dominação é apenas a centelha de uma possibilidade que não pode ser já fundamentada e, em todo o caso, já não será o necessário ponto de chegada da história. Por certa e importante que seja a crítica da ideia de Progresso, ela continua no entanto sua prisioneira; e na medida em que ela rejeita o seu optimismo (a alegada necessidade da libertação), reproduz negativamente a construção da filosofia da história que lhe está subjacente:
“Porque a História, como correlato de teoria unitária, como construção, não o é apenas do bem, mas sobretudo do mal, o pensamento é na verdade um elemento negativo” (D.E., p. 201).
Já a interpretação teleológica da história é uma projecção burguesa. Se ela é usada positiva ou negativamente é secundário(6). A ideia de que a história da humanidade se encaminha para uma meta determinada, dominada e arrastada por uma força interna e sem possibilidade de oposição, é claramente determinada pela dinâmica imparável de expansão e de competição da modernidade capitalista. A retroprojecção desta situação para toda a história da humanidade é ela própria a expressão inconsciente da hibris e da pretensão universalista e de domínio da moderna sociedade das mercadorias que nem a história pré-burguesa poupa. Se esta não pode ser retroactivamente dominada, então deve pelo menos ser ideologicamente enquadrada. Pois o valor, tal como o Deus monoteísta, não tolera nada mais junto de si(7). Em Horkheimer e Adorno, este enquadramento assume uma coloração negativa. A Razão Formal e a forma moderna específica de ligação à Natureza (exterior e interior) que lhe é inerente não é por eles entendida como o momento essencial de uma sociedade bem determinada, constituída pelo valor e pela mercadoria, mas, pelo contrário, como o consequente prosseguimento e o culminar de uma tendência cuja origem deve ser a errada separação da Natureza.
“O Pensamento surgiu no processo de libertação da Natureza atemorizadora, que, no final, é totalmente submetida” (DE, p. 95) E ainda: “Para se furtar ao medo supersticioso da Natureza, ela (a Razão) pôs a nu todas as figuras e entidades objectivas, sem excepção, como disfarces de um material caótico, amaldiçoando a sua influência sobre a humanidade como escravidão, até que o sujeito se convertesse, de acordo com a sua ideia, na única autoridade, ilimitada e vazia” (DE, p.81)(8).
O que Horkheimer e Adorno aqui esquecem é que com isto reproduzem ao inverso uma ideologia legitimadora da sociedade das mercadorias, a partir da qual nomeadamente a moderna forma das relações com a Natureza poderia ser deduzida directamente, a partir do primeiro momento da história, da luta do homem contra a Natureza. Em consequência, as ciências da natureza e o domínio da Natureza por elas possibilitado são uma consequência lógica de uma evolução que tem o seu início com a descoberta do “coup de poing” e o seu culminar provisório na descoberta da engenharia genética. Na verdade, Horkheimer e Adorno atacam criticamente as justificações oficiais dos crimes praticados em nome da ciência e do “progresso”, mas o carácter projectivo da argumentação não é quebrado, mas, pelo contrário, desta forma, confirmado e fortalecido. O nó da argumentação consiste, mais uma vez, em que por detrás da condição mais geral da cultura e da sociedade, a separação do homem da natureza, abundam as formas histórica e qualitativamente diferenciadas em que este processo até hoje se desenvolveu. A forma moderna da compreensão e relacionamento com a Natureza não é de maneira nenhuma simplesmente o prolongamento e culminar de uma mais ou menos contínua evolução desde que o homem deixou de ser um macaco, mas, pelo contrário, representa uma ruptura radical com toda a história humana até então. Só o poderemos compreender se a entendermos como reflexo de uma forma social e de um modo de produção que se desenvolveu desde o início da Idade Moderna europeia, e não o inverso, como pretendem Horkheimer e Adorno (9).
Como mostraram Böhme e Böhme (1985), o medo avassalador que o indivíduo burguês sente perante a natureza interior e exterior não é de modo nenhum a herança recalcada de um “temor supersticioso da Natureza” do início dos tempos (como Horkheimer e Adorno o descrevem) e o fundamento para a construção do domínio moderno sobre a Natureza, mas antes, e tão fundamental como estes, ele é ao mesmo tempo o produto e o motor intra-subjectivo de todo um processo histórico específico.
“Entre a Razão (moderna; N. Trenkle) e a Natureza interior e exterior por ela dominada situa-se o medo. Este é negado pela autoconsciência orientada pela razão, mas só negado expressamente no discurso filosófico. O medo real que sente o homem pré racional nas suas relações com as forças da natureza, com as impulsos insuperáveis do seu próprio corpo e com os seus potenciais opositores, cede a um medo interior irracional perante o reprimido, que apenas parece possível de superar com o preço de uma aniquilação do eu em que o homem se supõe dono de si próprio (Böhme e Böhme, 1985, p. 18) (10).
Não é apenas a Razão moderna que é especificamente histórica, o seu “duplo”, o seu lado “sombrio”, que é simultaneamente temido e cobiçado, também o é. Ele constrói-se na medida em que a Razão moderna limpa o seu terreno para excluir tudo o que a ela não tenha (previamente) podido subsumir-se e, por isso, tenha sido declarado “natural” e “irracional”, um processo que está ligado constitutivamente à colonização interior e exterior e à criação das relações burguesas modernas entre os sexos(11). A mulher e o selvagem condensam-se como figuras centrais daquilo que não tem lugar na Razão:
“A Razão moderna coloca os seus próprios limites, o seu território vai tão longe quanto ela pode apropriar-se do que lhe é alheio. A construção da Razão moderna é por isso um processo de demarcação, de selecção e de reagrupamento. Chamamos-lhe Esclarecimento, tal como se se tratasse simplesmente de uma iluminação dquilo que existe. Na verdade, trata-se de uma definição da realidade… A Razão (pré-moderna – N. Trenkle) respeita o que lhe é alheio como o Imperador o Papa. Apenas com o Esclarecimento a Razão torna irracional tudo o que lhe escapa (Böhme/Böhme 1985, p. 13 e segs).
Se esta especificidade da Razão Moderna, a ruptura radical com as outras formas da reflexão humana em geral, e das relações com a Natureza, em particular, não for tida em conta, então o horror do século XX pode ser visto, como em Horkheimer e Adorno, apenas como o culminar de um fenómeno fatídico presente desde o início da história da humanidade que não precisa de ser provocado; é, em sentido estrito, necessário e inevitável. Uma vez que a dominação social alegadamente decorre do domínio exercido sobre a Natureza, o Capitalismo desenvolvido passa a ser a manifestação historicamente avançada de uma necessidade trans-histórica: como culminação da dominação racionalizada ele é igualmente a mais elevada expressão de submissão da Natureza, sendo o Fascismo e o Nacional-Socialismo apenas a manifestação mais extrema desta tendência. Acontece aqui sem dúvida que, de facto, as relações de dominação da sociedade moderna – ou, melhor, uma sua interpretação – são projectadas no passado, assim lhes conferindo uma dignidade trans-histórica negativa. Ao mesmo tempo, os seus contornos desaparecem na névoa cinzenta de uma obscura pré-história.
Precisamente, Horkheimer e Adorno partilham esta visão anti-histórica e antropologizante com o Pensamento do Esclarecimento, pois a sociedade burguesa (e tudo o que a ela se associa) é hipostasiada como sociedade “tout court” e contraposta a um imaginário “estado de Natureza”. As culturas e sociedades não capitalistas são vistas, na melhor das hipóteses, como antecessoras lógicas e portanto como etapa prévia no caminho para o patamar mais elevado do desenvolvimento humano, se não mesmo como excrescências naturais (como traduz a expressão, que oscila entre o racismo e o exotismo, “povo natural”). Todos os momentos e fenómenos negativos da sociedade capitalista passam a ser vistos como herança do Estado de Natureza, que numa irreconhecível projecção da impiedosa concorrência capitalista é fantasiosamente descrito como luta de todos contra todos. E visto que a Civilização é alegadamente sempre apenas uma fina camada de verniz colocado sobre este estado de natureza, são necessários esforços permanentes para manter o “velho Adão” nos varais. Toda a irrupção de violência e de irracionalismo pode ser desta forma ideologicamente externalizada como irrupção da “barbárie” de uma Natureza supostamente pré-civilizada ou de uma semi-cultura pré-moderna, justificando todos os “esforços civilizatórios” – se necessário com bombas e mísseis.
Horkheimer e Adorno atacam veementemente esta grosseira e ousada autojustificação da modernidade ao mostrarem que o irracionalismo nada mais é do que o lado oposto da razão esclarecida e que esta, sem aquela, nada significa. Mas porque eles próprios retro-projectam a Razão burguesa e a dominação na História, reproduzem também eles, em última análise, a caricatura ocidental da barbárie, ainda que em forma reflexiva:
“Extirpar inteiramente a odiada mas irresistível tentação de recair na Natureza: eis a crueldade que nasce na civilização malograda, eis a barbárie, o outro lado da cultura.” (DE, p. 101).
A barbárie em que a Civilização sempre corre o risco de se transformar, não é, em Horkheimer e Adorno, directamente a primeira Natureza, mas funda-se, tal como a Razão, na errada separação dela. Relativamente a Kant e ao Esclarecimento eles foram muito mais longe, na medida em que, em ligação com a teoria freudiana da cultura, concebem a relação entre Natureza e Cultura como um processo dialéctico. A Natureza interna é ela própria alterada no processo de repressão através da “cultura” e não permanece o que era ou o que poderia ter sido (não é de maneira alguma “original”):
“Os comportamentos arcaicos, que a civilização declarara tabus, e que se tinham transformado sob o estigma da bestialidade em comportamentos destrutivos, continuaram a ter uma vida subterrânea. Juliette (a Juliette de Sade, Norbert Trenkle) não os pratica já como naturais, mas por serem proibidos por um tabu… quando repete as reacções primitivas, já não são as primitivas, mas bestiais” (DE, p. 85 e segs.).
Por muito certa que seja esta visão das coisas, indiscutivelmente baseada na teoria freudiana da Cultura e no seu conceito a-histórico de Cultura e de Civilização, ela permanece em última análise prisioneira do universo do pensamento do Iluminismo(12). E isto tem notáveis consequências: rompendo-se com o optimismo da ideia de progresso do Iluminismo, conservando a sua construção histórica negativamente utilizada, daí resultará forçosamente um pessimismo total, idêntico ao que encontramos em muitos críticos do Iluminismo ou no último Freud. A possibilidade da emancipação da dominação e do fetichismo tem de ser definitivamente posta em causa. Para evitarem esta consequência, Horkheimer e Adorno não puderam pensar consequentemente a relação entre Razão e Irracionalismo. Na Dialéctica do Esclarecimento encontra-se, apesar de tudo e da sua própria crítica quase contraditória, um potencial emancipatório, que se empenha na sua concretização. Neste sentido, pode ler-se já no prefácio à Dialéctica do Esclarecimento:
…O Esclarecimento tem de se concentrar em si mesmo, se a humanidade não quiser ser completamente traída. Não se trata de conservar o passado, mas da concretização das esperanças do passado (DE, p. 4).
Se se ler esta afirmação apenas num sentido genérico, de que o pensamento crítico-reflexivo é a condição da possibilidade da emancipação social, pouco haverá a opôr-lhe. Mas se Horkheimer e Adorno identificam implicitamente o Esclarecimento, ou seja, a Razão Moderna, com o pensamento reflexivo, com isso procedem à reabilitação do Esclarecimento, tal como na obra posterior dos dois autores, de maneiras diferentes, se viria a confirmar.
3.
Tal como Horkheimer, na sua Crítica da Razão Instrumental, se colocou em defesa do Esclarecimento contra a sua prórpria crítica na Dialéctica do Esclarecimento, também a Dialéctica Negativa de Adorno deve ser vista no mesmo sentido. A sua famosa primeira frase pode, neste sentido, ser vista como programa: “A Filosofia, que parecia ultrapassada, mantém-se viva, porque o momento da sua concretização foi adiado”. Na verdade, Adorno não abandona a crítica à Razão formal e à sua lógica de dominação implícita, mas procura simultâneamente retirar dela um potencial emancipatório, para salvar deste modo o Esclarecimento. As aporias, em que ele, desta forma, se enreda, podem ver-se claramente na discussão do conceito kantiano de Liberdade constante da terceira parte da Dialéctica Negativa.
Muito acertadamente, Adorno salientou a gigantesca repressividade do conceito kantiano de Liberdade, que encerra todas as características da dominação burguesa:
“A Liberdade em Kant identifica-se com a Razão Prática, que produz os seus próprios objectos; esta visaria não conhecer os objectos, mas tornar cada um deles (de acordo com o conhecimento acerca deles) em propriedade. A absoluta autonomia da vontade aí implícita seria como o absoluto domínio sobre a Natureza interior. Kant afirma: ser consequente é o maior dever do filósofo e é por isso raro. Isto não só coloca a lógica formal da consequência pura como a mais elevada instância moral, como coloca a subordinação de qualquer sentimento à unidade lógica, com o primado desta sobre a Natureza difusa, sobre toda a pluralidade do não idêntico, que aparece no círculo fechado da lógica como inconsequente. Apesar da eliminação da terceira antinomia, a Filosofia Moral de Kant permanece antinómica: ela possibilita, na sua concepção global, a apresentação do conceito de Liberdade como repressão. As concretizações da Moral em Kant contêm características repressivas. A sua abstracção é do próprio conteúdo, porque ela elimina do sujeito aquilo que não corresponde ao seu conceito puro. Daí o rigorismo kantiano” (DN, p. 253).
Se, na Dialéctica do Esclarecimento, se salientava ainda a identidade interna de Kant com os “escritores malditos” do Contra-Esclarecimento, Adorno faz agora um julgamento muito mais benévolo. A sua crítica arrasadora de que, em Kant, a Liberdade se podia definir “apenas como repressão” e dominação é abandonada, como se esse não fosse o centro do seu Pensamento, mas apenas a indicação de uma contradição no pensamento de Kant: os “paradoxos da teoria kantiana da Liberdade” (DN, p. 231). Por consequência, Kant, em especial, como o Esclarecimento em geral, é considerado a favor da ideia de Liberdade, embora tenha ficado assustado com a ideia de a pensar até ao fim como uma efectiva libertação da dominação. Assim, esta ideia sobreviveu no seu Pensamento como ideia interrompida e traída, como momento contraditório remanescente, como “resíduo”. O esforço de Adorno vai no sentido de desenterrar este resíduo e de o defender contra a própria lógica de dominação do Racionalismo. Ele procura fundamentar a (alegada) contraditoriedade interna do conceito kantiano de Liberdade a partir de uma lógica histórica:
“A partir do século XVII a grande Filosofia escolheu a liberdade como o seu maior interesse; sob mandato tácito da burguesia, a liberdade devia ser claramente definida. Mas este interesse é na sua essência antagónico. Ele dirige-se contra a antiga dominação e exige uma nova, inerente ao próprio princípio racional. Procura-se uma mesma fórmula para a liberdade e a dominação: a primeira é sediada na racionalidade, que a limita, e afastada da empiria, onde não se pretende vê-la concretizada. A dicotomia reporta-se também ao progresso no domínio da ciência, com o qual está ligada a burguesia, na medida em que ele fomenta a produção, mas que tem de temer logo que ponha em causa a crença de que é real uma liberdade confinada ao interior. É isto que realmente subjaz à doutrina das antinomias” (DN, p. 213 e segs).
É manifesto como também esta historialização tem iniludívelmente as marcas da Filosofia da História das Luzes, designadamente do seu herdeiro, o “Materialismo Histórico”. A História até aos nossos dias é entendida como uma sucessão de diversas formas de domínio de classe; o motor geral é o desenvolvimento das forças produtivas, que, em Adorno, representa a separação das forças da Natureza. Na perspectiva da lógica subjacente a este desenvolvimento histórico, a classe burguesa aparece como relativamente progressista, mas, para garantir o seu próprio domínio, tinha de banir a liberdade para a esfera idealista da subjectividade para a tornar inócua e de liquidá-la na esfera real da sociedade. Kant, como representante desta classe, antecipou no seu Pensamento aquilo que mais tarde realmente aconteceu na vida social:
“Kant, como os idealistas depois dele, não suporta a liberdade sem domínio; a sua concepção inflexível é preparada pelo medo da anarquia, que mais tarde levaria a burguesia a liquidar a sua própria liberdade” (DN, p.231).
O que distingue esta perspectiva do marxismo tradicional é antes de mais o “pessimismo crítico” (Postone 1993, pp. 84 e segs) – mesmo que o tom aqui seja um pouco menos negro do que na Dialéctica do Esclarecimento. Em todo o caso, esta inversão da metafísica da história burguesa subjaz também à obra posterior de Adorno. É sempre a mesma ideia fundamental, com diversas variações, de que desde o primeiro passo da separação do homem da Natureza se fixou uma dialéctica de racionalidade e irracionalidade, de Liberdade e de dominação que determina todo o desenvolvimento posterior. E quando Adorno alimenta esta perspectiva com a teoria freudiana da cultura (ela própria resignativa), permanece fiel àquela corrente da teoria marxista que se considera vinculada ao mito iluminista do progresso, dando-lhe todavia uma conotação pessimista(13). Em princípio, a sociedade burguesa aparece como um estádio históricamente necessário no caminho da libertação da dominação (de classe) e da repressão. Mas a fé numa classe que sucede na herança burguesa e que dá o passo decisivo seguinte na direcção do socialismo ou do comunismo, esta fé, que o marxismo tradicional celebra de forma secular-religiosa, é expressamente afirmada. Porque não foi realizado o potencial emancipatório de uma libertação dos imperativos da natureza e da dominação, que estariam contidos no moderno desenvolvimento das forças produtivas e de que seria portadora a classe burguesa como seu representante social, ter-se-ia verificado, em vez disso, um redobrar da dominação. Isto manifesta-se já em Kant, quando ele apenas pode pensar a Liberdade como Lei no sentido do imperativo categórico:
“Que Kant pense apressadamente a liberdade como lei revela que ele as considerava tão tenuamente ligadas como a classe social a que pertencia. Ele temia já tanto o proletariado industrial que ligou, como na economia de Smith, o louvor do indivíduo emancipado com a apologia de uma ordem na qual, por um lado, a mão invisível se ocupa tanto do pedinte como do rei e, por outro, o livre concorrente tem de se esforçar com o “fair play” feudal” (DN, p. 248).
Esta interpretação da liberdade kantiana, que ainda a encara como algo pelo menos potencialmente emancipatório ou como estádio transitório de um possível, embora nunca realizado, progresso histórico da emancipação humana, não é, de modo nenhum, confirmada literalmente pelos textos de Kant. Se ele fala da liberdade expressamente como de “estrita causalidade”, como uma lei e como uma “necessidade”, é porque a pensou de maneira inteiramente consequente. Consequente não na perspectiva de uma determinada situação de classe ou de uma lógica de evolução trans-histórica, mas na perspectiva da forma da sociedade capitalista que está na base, porque as constitui, de todas as categorias sociais burguesas: a mercadoria ou a forma do valor. É ela que submete os homens às suas leis como se se tratasse de leis naturais eternas, embora se trate, na verdade, das suas próprias relações sociais, que lhes aparecem na forma da “legalidade objectiva” como potência estranha e os dominam. Kant, com as suas categorias idealistas (como mais tarde Hegel), aproximou-se muito mais deste fetichismo da mercadoria, embora não de forma crítica, do que as tentativas marxistas posteriores de o decifrarem de uma forma materialista. O que estes últimos não compreenderam é que o idealismo atribuiu com toda a razão carácter metafísico ao ser da sociedade burguesa; só que não se trata aí de uma transcendência em sentido metafísico, mas da metafísica real do valor e da forma da mercadoria. O facto de Kant ter concebido a máxima superior da Razão Prática, o imperativo categórico, como forma pura, não empírica, vazia de qualquer conteúdo e como forma de qualquer conteúdo determinado, deve ser entendido como o reflexo idealista desta relação fetichista. A Liberdade, tal como ele a entende, é a condição necessária da possibilidade desta objectiva e imperturbável lei da Razão; só quando ela é pressuposta pode supôr-se uma vontade que, de per si, tem de ser uma vontade livre. E esta é, em Kant, estritamente definida:
“A vontade é uma espécie de causalidade dos seres vivos, na medida em que são racionais, e a Liberdade deve ser a sua caracterísitica, ao ser independente de causas estranhas que a possam determinar;…Pois o conceito de causalidade implica o de leis segundo as quais algo a que chamamos causa deve originar outra coisa a que chamamos consequência: assim a Liberdade, mesmo que não seja uma característica da vontade de acordo com leis naturais, não é sem lei, mas tem de consisitir numa causalidade segundo leis imutáveis, embora de um género especial, pois sem isso a vontade livre seria uma não coisa (Unding)… o que poderia ser a vontade livre senão a autonomia, ou seja, a característica da vontade que consiste em ser uma lei para si própria ? A asserção: a vontade é em todas as acções uma lei para si própria, apenas indica o princípio segundo o qual se deve agir de acordo com a máxima que impõe que cada um pudesse tornar-se objecto de uma lei geral. Mas esta é precisamente a forma do imperativo categórico e do princípio da moralidade: por isso ma vontade livre e uma vontade de acordo com as leis morais são uma e a mesma coisa” (FMC., p. 81 e segs)
A Liberdade é em Kant, por essência, autodomínio; e isso não significa senão domínio do sujeito burguês sobre si próprio debaixo do pressuposto diktat da forma da mercadoria e do valor. É a partir daqui com toda a propriedade que ele assume o seu estreito carácter legal, o que de maneira alguma se pode considerar em contradição com a lógica da sua Teoria. Pois a Liberdade em Kant não é libertação da dominação, mas momento estrutural necessário de uma forma específica de dominação; uma dominação abstracta em que todos os homens de uma ou de outra forma se transformam em função e máscaras do valor (Marx) e, nessa medida, permanecem dependentes e não emancipados relativamente a este princípio social. A sua “autonomia”, tão salientada por Kant, nada mais é do que a constrição a submeterem-se permanentemente às leis gerais de funcionamento da forma do valor. A “lei da liberdade”, que pela primeira vez permitiu constituir o sujeito burguês como tal, nada mais comanda do que a indiferença (a “apatia”) relativamente a sentimentos, necessidades espirituais, relações pessoais e inclinações particulares, na medida em que não estejam de acordo com a lógica do valor e da concorrência. Também isto foi demonstrado de maneira semelhante por Adorno. Ele escreve num dos seus últimos escritos com o título “Epílegómenos Dialécticos ao Sujeito e ao Objecto”:
“Em certo sentido, no que afinal estava certo o idealismo, o sujeito transcendental é mais real, nomeadamente para o comportamento real dos homens e da sociedade, que a partir dele se constituiu, e mais concreto do que os indivíduos psicológicos, dos quais o sujeito transcendental abstraía e que pouco tinham a dizer no mundo e que, por seu lado, se transformaram em apêndices da maquinaria social, e, no final, em ideologia. O homem vivo individual, tal como é obrigado a agir e tal como em si mesmo cunhado, é como homo economicus mais o sujeito transcendental do que o indivíduo singular que tem de se considerar a si próprio. Nesta medida, a teoria idealista era realista e não precisava de se preocupar com os opositores que a apodavam de idealismo. Na doutrina do sujeito transcendental aparece fielmente a precedência das relações racionais abstractas, cujo modelo é a troca, desvinculadas do homem individual e das suas relações. Se a estrutura paradigmática da sociedade é a forma da troca, então é a sua racionalidade que constitui o homem; o que ele é para si próprio, o que ele se julga, é secundário” (Adorno 1969, p. 745).
Com isto Adorno desmente no fundo a sua própria afirmação na Dialéctica Negativa segundo a qual Kant não teria sido tão restritivo relativamente à Liberdade. Pois tal implicava um conceito de Liberdade que Kant nunca sustentou e que também não pode demonstrar-se existir no seu pensamento, por muito que nos esforcemos por isso. Com os pressupostos que lhe estão subjacentes ninguém pensou a Liberdade burguesa mais estritamente e mais consequentemente do que Kant. A contradição do seu Pensamento consiste em ele não querer desistir dele, e não em não cumprir a sua promessa emancipatória. Se comparadas com um conceito mais enfático de emancipação, como emancipação do domínio tout court, as categorias kantianas podiam e deviam ser qualificadas de repressivas. Isto é uma coisa completamente diferente de afirmar que Kant traíu o seu conceito de Liberdade. Quando Adorno o afirma, então é porque assume, como base na sua Filosofia da História, em última análise iluminista, que a Aufklärung, em geral, e o Pensamento de Kant, em particular, devem, como sempre, ser considerados como um estádio defeituoso do progresso emancipatório, mesmo quando a sua própria visão crítica a isso resiste.
4.
Este travão da crítica torna-se particularmente eficaz aí onde Adorno chega muito perto de descodificar o Idealismo e a Metafísica. O mesmo se verifica na Dialéctica Negativa, onde ele, com apoio em Sohn-Rethel, decifra o sujeito transcendental Kantiano como reflexo idealista de trabalho, do domínio e do princípio da equivalência. Apesar de ter dado um tão grande passo para além da Aufklärung e do marxismo tradicional(14), com o seu cru materialismo, não conseguiu, apesar de tudo, libertar-se do seu universo de pensamento. O problema consiste simplesmente em que Adorno – como também Sohn-Rethel (cfr. Kurz, 1987) – pressupõe um conceito de trabalho segundo o qual este deve ser idêntico com o processo de metabolismo com a Natureza. O que é específico da categoria do trabalho, nomeadamente, que ele representa uma abstracção real capitalista e, como tal, na sociedade de produção de mercadorias (e só nesta) constitui e reproduz o contexto social, foge-lhe, porque ele, em parte explicitamente e em parte implicitamente, retroprojecta-o na história e aplica-o às sociedades não capitalistas. É isto que compromete a sua tentativa de reconduzir o princípio transcendental ao fetiche da mercadoria:
“Alfred Sohn-Rethel foi o primeiro a chamar a atenção de que ele (o princípio transcendental – N. Trenkle), da actividade geral e necessária do Espírito, incondicionalmente implica o trabalho social. O conceito aporético do sujeito transcendental, um não ente (Nichtseiende), assim o implica; um universal que deveria contudo ter uma experiência, seria uma bola de sabão, e nunca poderia ser criado a partir do contexto autárquico imanente da consciência necessariamente individual. Em confronto com este, ele coloca não apenas o mais abstracto, como a sua força persuasiva permite também o mais real. Para além do círculo mágico da filosofia da identidade, o sujeito transcendental deixa-se decifrar como a sociedade inconsciente para si própria. Tal inconsciência é demonstrável. A partir do momento em que o trabalho espiritual se separou do trabalho corporal como sinal do domínio do espírito, da justificação do privilégio, o espírito dividido, carregando com a má-consciência, tinha de reivindicar a dominação decorrente daquela tese segundo a qual ele é o princípio e a origem, e esforçar-se por esquecer de onde vem a sua exigência, se não quisesse desmoronar-se. No íntimo, o Espírito sabe que o seu domínio perene não é do Espírito coisa nenhuma, mas que a sua ultima ratio é a força física, posta à sua disposição. O seu segredo, sob pena da sua própria anulação, não pode ser mencionado. A abstracção que, mesmo de acordo com o testemunho de idealistas extremos como Fichte, que é o primeiro a elevar o sujeito a princípio constitutivo, reflecte a separação do trabalho corporal, evidenciável através da confrontação com ele (…) O que, desde a Crítica da Razão Pura, faz o sujeito transcendental, a funcionalidade, a actividade pura, que realiza na actividade o sujeito individual e que simultaneamente o ultrapassa, projecta o trabalho livre como a origem do sujeito puro. (…) Como caso extremo da ideologia, o sujeito transcendental baseia-se na verdade. A generalidade transcendental não é uma mera arrogância narcisista do Eu, não é a hibris da sua autonomia, mas tem a sua realidade na dominação executada e tornada perene através do princípio da equivalência. Este processo da abstracção aclarado pela Filosofia e atribuído ao sujeito cognoscente traduz-se na realidade da sociedade da troca.” (DN, pp. 178 – 180).
A retroprojecção trans-histórica das formas burguesas do trabalho, da dominação e da Razão não é quebrada, mas fundamentada num todo fechado em si mesmo. O elemento de ligação é aqui o princípio de troca ou de equivalência, no qual quer o pensamento identificativo quer a dominação se conjugam e cujo conceito necessariamente permanece tão inespecífico e impreciso como as categorias a que se reporta. De modo igualmente vago permanece a delimitação entre troca arcaica, trocas simples de mercadorias nas margens ou nos interstícios das sociedades não capitalistas e a troca de equivalentes baseada na generalização da produção de mercadorias debaixo da ditadura da valorização do valor. As primeiras aparecem apenas como etapas lógicas prévias da última, tal como as formas não capitalistas de dominação e de Razão deveriam ser meras fases de um processo histórico pré-determinado.
“Quando Adorno apenas se refere uma vez à divisão do trabalho, e depois só fala de sociedade de troca, mas implicitamente vê os dois aspectos em ligação com a génese da forma da identidade, isto só se pode explicar com o facto de ele não ter compreendido a especificidade do contexto social inconsciente baseado na troca dos produtos do trabalho enquanto mercadorias. Isto significa …, que ele não vê o desenvolvimento inerente das relações de troca em relações de capital, nas quais o conceito de “sociedade de troca” cobra o seu sentido” (Müller, 1976, 9. 193; itálico no original) (15).
Adorno não apreende o corte específico que representa a moderna troca equivalente (e o princípio de equivalência nela incluída) relativamente a diversas outras formas históricas de troca. Por isso, ele fornece-nos apenas um rascunho da história que não apenas escamoteia as culturas e as sociedades não europeias, mas subsume toda a história do Ocidente à sociedade burguesa e às suas categorias. O que é decisivo é que a perspectiva projectiva não deixa ver o essencial. Quando Adorno reporta o sujeito transcendental de Kant à separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, isso não é apenas filosoficamente mais do que discutível (Kant aparece então, com Hegel, como o expoente máximo e a consequência lógica de toda a filosofia Ocidental desde a Grécia); com essa afirmação ele reproduz uma ontologia da dominação totalmente dentro da tradição do Iluminismo e do marxismo. A principal característica da dominação seria, segundo esta tradição, a apropriação do mais-produto por uma classe dominante em desfavor da maioria da população trabalhadora. Na verdade, todas as formas de dominação na história desenvolveram métodos próprios de apropriação da riqueza e de exploração (tributos, impostos, taxas, escravatura, etc.), mas fazer deles o critério decisivo para definir a dominação só podia ocorrer ao pensamento burguês. É a projecção da sua própria dominação abstracta, baseada no trabalho e na produção de mercadorias e do imperativo assim constituído de valorização do valor.
O sentido (inconsciente) desta projecção é, sem dúvida, a apologia do Capitalismo. O seu princípio constitutivo é não apenas elevado a princípio supra-histórico, mas a princípio antropológico ou até natural, e assim subtraído a qualquer discussão. Ao mesmo tempo a economia de mercado pode ser apresentada ideologicamente (como na Economia Política) como libertação da dominação, porque nela já não se verifica uma exploração do indivíduo e cada um pode alegadamente participar na riqueza social na medida exacta do seu contributo pessoal. O marxismo tradicional, como é sabido, não colocou em questão este princípio, apenas o criticou, de uma perspectiva endógena, como enganador. Assim, a troca equivalente na superfície do mercado mascara a exploração e a desigualdade que caracterizam de facto a esfera da produção. A sociedade burguesa aparece, na sua própria essência, como outra variante da sociedade de classes em que a classe dominante se apropria do “mais-produto” de uma forma particularmente hábil: na forma da mais-valia e mediante a simulação da igualdade geral, na realidade inexistente.
Postone (1993, p. 64 e segs) insistiu com razão no facto de o marxismo tradicional, apesar da sua insistência no processo de produção, no fundo formular uma crítica do Capitalismo fixada na circulação, que se mantém prisioneira do universo da Economia Política tradicional. O objectivo da revolução não seria por isso a libertação do trabalho, mas libertar o trabalho da exploração, e realizar os valores prometidos, mas também traídos, pela sociedade burguesa: liberdade e igualdade. Também Adorno se mantém vinculado a esta perspectiva. O que o separa do marxismo tradicional é ter quebrado a redução da crítica à exploração na produção e tê-la alargado a toda a sociedade capitalista no seu conjunto. O conceito de sociedade de troca é nele de importância decisiva, mas permanece enraizado no universo do pensamento marxista. Se a fixação marxista na produção era paradoxalmente o produto de uma abstracção circular de trabalho e dominação, Adorno efectua a mudança para uma crítica orientada para a esfera da circulação, sem no entanto ultrapassar essa abstracção. Com isso ele conseguiu chegar a conclusões que nunca teriam sido possíveis a partir de uma simples perspectiva de exploração baseada na sociologia de classes, mas em todo o caso elas contêm-se sempre nos limites do marxismo tradicional (16):
“O princípio da troca, a redução do trabalho humano ao conceito geral e abstracto de tempo médio de trabalho está originariamente ligado ao princípio da identificação. Tem o seu modelo social na troca e nada seria sem ele; através dela os seres individuais e as actividades não idênticos tornam-se comensuráveis, i.e., idênticos. O alargamento deste princípio torna o mundo inteiro em idêntico, em totalidade. Seja este princípio abstractamente negado ou seja afirmado como ideal, nunca mais seria possível o igual contra igual, para grande glória do irredutível qualitativo, assim se criando a desculpa para a queda na antiga injustiça. Pois o princípio da troca equivalente consistiu, desde sempre, precisamente em que em seu nome é trocado o desigual, e o mais valor do trabalho é apropriado. Se simplesmente se anulasse o critério da comparabilidade, logo entrariam em cena, em lugar da racionalidade, que embora ideologicamente contém sem dúvida a promessa do princípio da troca, a apropriação directa, a violência e, actualmente, o privilégio puro e duro dos monopóligos e das cliques. A crítica ao princípio da troca como identificativo do pensamento pretende que o ideal de uma troca livre e justa, até hoje mera intenção, seja cumprido. Só isso permitiria transcender a troca. Se a teoria crítica o descobriu como igualdade na realidade desigual, assim visa a crítica da desigualdade na igualdade também a igualdade, com todo o cepticismo contra o rancor do ideal burguês da igualdade, que não tolera nada de qualitativamente diferente. Se nenhum homem fosse concebido como parte do seu trabalho vivo, atingir-se-ia a igualdade racional e a sociedade ultrapassaria o pensamento identificador” (DN, pp. 149 e segs, itálicos de N. Trenkle).
Notável é aqui precisamente a plena assunção do paradigma marxista, segundo o qual a troca equivalente é uma ficção, na prática apenas servindo para mascarar a apropriação da mais-valia; uma interpretação que Adorno ainda faz recuar mais na história (“desde sempre”), para permitir manter a conjugação paralela de dominação e troca. Conjuntamente aparece o apelo a uma pretensa promessa, contida na troca mas até hoje ainda não cumprida. Adorno não vê a concretização da “troca livre e justa” como culminação da libertação, mas como (na tradição da metafísica teleológica da história) momento histórico necessário para esse efeito. Esta teoria baseia-se, no seu conjunto, na exigência paradoxal de que os ideais do Capitalismo, que ele não pôde cumprir, sejam concretizados, para que ele possa ser seguidamente superado. Esta notável dialéctica, contrariamente à própria pretensão de Adorno, não é negativa, mas, de forma paradoxal, positiva e, com isso, nolens volens, afirmativa relativamente à moderna sociedade das mercadorias. Na sua essência, ela consiste em ignorar as coerções do Capitalismo, qualificando-as com os predicados de “progressistas e civilizatórios”, embora tenham sido já reconhecidas e criticadas como coerção. Trata-se, no fundo, de uma tentativa escondida e envergonhada de tentar salvar a teleologia da história, na qual uma realidade histórica passada é transformada em necessidade lógica e histórica. Adorno não se limita a dizer que, na perspectiva de uma emancipação social, já nada mais resta do que contar com as relações sociais, tal como elas foram constituídas como resultado de uma longa história capitalista. Contra isto nada haveria a dizer, porque é uma evidência; simplesmente, não tem de glorificar-se tal conclusão a partir de uma metafísica da história. Mas é o que faz Adorno, pelo menos implicitamente, ao interpretar o princípio da troca e o princípio com ele ligado de identificação como uma promessa não cumprida de emancipação e de racionalidade(17).
Este a priori teórico (ou até pré-teórico) aparece sempre transversalmente na interpretação de Adorno do conceito kantiano de Liberdade. Quando Kant dá tudo por tudo para libertar a Liberdade de qualquer “contaminação empírica”, isto, como já foi observado, pode facilmente descodificar-se como reflexo idealista da indiferença absoluta da forma do valor e da mercadoria relativamente a qualquer conteúdo determinado; a “autonomia da vontade livre” é, na realidade, a autonomia do valor, designadamente, a sua autoreferencialidade, que produz o seu poder relativamente ao mundo empírico e sensual. É verdade que Adorno, por um lado, reconduz o domínio inerente à Razão formal, a “submissão de toda a emoção sob a unidade lógica” (DN, p. 253), ao “princípio da troca”. Mas, por outro lado, pretende reconhecer precisamente nos esforços de Kant de definir a Liberdade como estritamente transcendental, a tentativa de salvá-la de alguma maneira das coerções da realidade da sociedade das trocas:
“A Liberdade positiva é um conceito aporético, inventado para, contra o nominalismo e a cientização, conservar o ser em si mesmo (Ansichsein) de uma entidade espiritual. No centro da Crítica da Razão Prática Kant explicitou do que se tratava, precisamente da salvação de um resíduo” (DN, p. 249 e segs, itálico de N. Trenkle).
Mas se confrontarmos o texto citado por Adorno, esta interpretação não consegue manter-se. Kant escreve:
“Porque esta lei inevitavelmente diz respeito à causalidade das coisas, na medida em que o seu ser é determinável no tempo, assim a liberdade teria de ser considerada como um conceito nulo e impossível se tivesse de ser determinada em si própria. Por consequência, se ainda quisermos salvá-la, não resta outro caminho que não seja considerar como ser de uma coisa, na medida em que é determinável no tempo, e consequentemente também a causalidade, segundo a lei da necessidade natural, apenas o fenómeno e pôr de lado a liberdade como ser em si mesmo.” (CRP, citado in DN, p. 250)
A lei a que Kant aqui se refere é a lei natural já por ele construída, à qual todos os fenómenos sensíveis deveriam submeter-se, e em que se inclui, na sua perspectiva, igualmente a “natureza interior” do homem, ou seja, todas as suas necessidades espirituais, emoções e desejos. Em oposição a este determinismo estrito ele postula uma igualmente rígida “lei da Liberdade”, que no entanto só pode ter lugar, nas condições pressupostas, numa esfera transcendental da Razão, purificada de qualquer sensibilidade ou empiria. Isto é pensado consequentemente nas categorias do sistema kantiano, que assenta na estrita oposição entre “Natureza” e “Razão”, que devem pertencer a esferas estritamente separadas. A referência ao salvamento reporta-se aqui claramente à autoafirmação da “autonomia da vontade livre” relativamente às “leis da necessidade da natureza” e, por isso, não é mais do que o fundamento metafísico do conceito de “liberdade”. Trata-se do núcleo mais profundo da teoria kantiana, da concatenação de uma cadeia lógica de argumentação, que legitima e ajuda a implantar a submissão do mundo ao formalismo abstracto do valor. De acordo com a interpretação de Adorno, o “salvamento” reporta-se inversamente ao salvamento de um ser em si mesmo (Ansichsein) da Liberdade do conceito de Liberdade formulado, e por isso traído, nas categorias da coerção. Mas nada está mais longe de Kant. Trata-se aqui apenas de um desejo de Adorno. Na realidade, ele retrocede com isto para aquém do idealismo kantiano, em lugar de o cumprir na forma de crítica à mercadoria. Em lugar de reportar o carácter metafísico da construção da Liberdade, como Kant, estritamente à “forma de uma lei tout court” e de o decifrar como reflexo idealista do “sujeito automático”, Adorno coloca em seu lugar uma interpretação corrente do idealismo, tal como a conhecemos a partir do marxismo tradicional e também da crítica esquerdista democrática. Segundo ela a sociedade burguesa teria banido os seus ideais para o reino das ideias (“As ideias são livres”), porque precisamente os não podia realizar. A metafísica do idealismo kantiano não corresponderia por isso a uma metafísica real inconsciente do fetiche da mercadoria, mas seria “ideologia” no sentido comum, de mascaramento de uma realidade maligna:
“A crítica do conhecimento de Kant impede a menção da liberdade em acto (ins Dasein); ele coloca a liberdade numa esfera que é na realidade subtraída à crítica, mas também à avaliação do que ela seja. A sua tentativa de concretizar uma doutrina da liberdade, de atribuir a liberdade a sujeitos viventes, enreda-se em afirmações contraditórias.” (DN, p. 251 e segs.)(18).
A consequência lógica desta contradição constatada entre o ideal e a realidade seria levar aquele finalmente a sério e orientar finalmente a sociedade nesse sentido. Mas Adorno não quer tirar esta conclusão e, como não consegue libertar-se totalmente da forma de pensamento que é o seu pressuposto, esta assoma como uma espécie de sombra através da sua argumentação. Pelo menos a possibilidade da libertação deve ser mantida na esfera do ideal. Assim pretende ele precisamente descobrir um resto de potencial emancipatório onde a repressividade do pensamento de Kant tem o seu núcleo duro. Sobre o “carácter inteligível”, segundo o qual o Homem, de acordo com Kant, participa na esfera da Razão, e por isso permite a intermediação entre o sujeito transcendental e o empírico, escreve Adorno:
“No final seria o carácter inteligível da vontade completamente racional. O que para ela vale como o mais elevado, o mais sublime, o mais intangível pelas coisas de baixo, é essencialmente a sua própria dependência, a incapacidade de alterar as mais pequenas coisas; uma incapacidade que é estilizada como autofinalidade. Simultaneamente, nada há de melhor para os homens do que este carácter; a possibilidade de ser diferente do que se é, quando na verdade todos estão encerrados no que são e assim separados mesmo de si próprios. A manifesta insuficiência da doutrina kantiana, a abstracção do carácter inteligível dela dedutível, tem também qualquer coisa da iconoclastia que, em toda a filosofia pós-kantiana, Marx incluído, se estendeu sobre todos os conceitos positivos. Como possibilidade do sujeito, o carácter inteligível, tal como a liberdade, é um processo, não um ser actual (ein Werdendes, kein Seiendes). Seria errado integrá-lo imediatamente ao ser, através de uma descrição, ainda que cautelosa.” (DN, p. 293 e segs.; cfr. no mesmo sentido também a p. 292).
A extrema abstracção dos conceitos kantianos “dela dedutível” não remete para um potencial emancipatório, mas está vinculado à tentativa de pensar a forma burguesa com toda a sua inteira consequência positiva. O Pensamento de Kant, no seu conjunto, é orientado para pensar até ao fim a lógica desta forma do modo mais estritamente idealista possível. Se isso não é possível sem aporias, é por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque esta lógica, em última análise, só se deixa apreender a partir da crítica do fetichismo, e Kant, pelo contrário, apresenta-a como a sua ideologia legitimadora e concretizadora; em segundo lugar, por causa da própria realidade das coisas, no sentido de que a realidade não se esgota com o conceito identificador e com a forma do valor, por muito que estes possam querer fazer valer a sua pretensão imperialista – como é sabido um dos pensamentos fundamentais do próprio Adorno (embora sempre reportado ao histórico e muito pouco especificamente concebido “princípio da troca”). O certo é que esta não coincidência com a realidade ainda está conservada no Pensamento de Kant, quando este, na problemática da coisa em si, ainda menciona o reprimido e o separado, ao passo que Hegel já reprime a repressão, como demonstram com razão Böhme e Böhme(19). Mas é conservada apenas como o puramente negativo, como aquilo que irritantemente não se consegue submeter ao domínio da forma; o “progresso infinito” (CRP, p. 206) designa a pretensão de alargar sempre cada vez mais os limites da total submissão do mundo sensível, o que Kant notavelmente descreve como a aproximação a “um ideal de santidade” (ibid.). De facto a realidade é ainda muito mais nobremente justiçada, como Hegel com cínica inocência observa: “tanto pior para a realidade”.
A dialéctica negativa tem como missão, como Adorno com razão assumiu, decifrar, na sua lógica destrutiva, esta submissão do mundo, ao mesmo tempo bem sucedida e frustrada, ao diktat do valor. Mas se Adorno crê ainda descobrir um “em si mesmo” da Liberdade na metafísica kantiana, então será, na realidade, infiel ao seu próprio método. São as aporias não resolvidas do seu próprio aparelho conceptual e a sua submissão à Filosofia da História iluminista que levam Adorno a querer salvar o Iluminismo (Aufklärung) da sua destrutiva dialéctica interna. Se o Iluminismo (Aufklärung) não for pura e simplesmente identificado com o pensamento reflexivo, mas entendido como uma forma muito específica de Pensamento, ligada a uma determinada formação história fetichista – a Razão Moderna -, então poderá ser também criticado em todas as suas consequências negativas, sem com isso se cair no absoluto pessimismo. A “tentação do salvamento”, que Adorno atribui a Kant, é na verdade a sua. E se ela sobrevive, então não é por causa do Esclarecimento e da generalização da sociedade das mercadorias, mas apesar deles. Se o Esclarecimento (Aufklärung), apesar de todos os esforços, não consegue eliminar a ideia da libertação da dominação, tal não se deve levar a seu crédito; isso apenas significa a sua inerente insustentabilidade e demonstra que a sua própria pretensão totalitária tem de falhar catastroficamente, mas de maneira alguma significa que ele contenha uma promessa incumprida.
Notas:
(1) Sobretudo perante uma situação mundial actual completamente diferente, em que segmentos da Esquerda pretendem transportar de uma vez por todas os “valores do Esclarecimento” com aviões bombardeiros no “mundo islâmico”, denunciado como “pré-moderno” ou “anti-moderno”.
(2) “O essencial de toda a determinação da vontade mediante a lei moral é que ela, como vontade livre, será determinada unicamente pela lei, por conseguinte, não apenas sem a cooperação das impulsões sensíveis, mas até com a rejeição de todas elas e com a exclusão de todas as inclinações, enquanto elas se poderiam opôr àquela lei” (Crítica da Razão Prática, p.88, itálico de Norbert Trenkle).
(3) “Graças, pois, à Natureza pela incompatibilidade, pela vaidade invejosamente emuladora, pela ânsia insaciável de posses ou também de mandar ! Sem elas, todas as excelentes disposições naturais da humanidade dormitariam eternamente sem desabrochar. O homem quer concórdia; mas a natureza sabe melhor o que é bom para a sua espécie, e quer discórdia (Kant, 1784, [Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita], p. 26.
(4) V. sobre este ponto o desenvolvimento de Kurz, 1999, pp. 33 e segs. e pp. 273 e segs.
(5) O genial neste texto é como no écran do mito de Ulisses o carácter típico do burguês é longamente e, em muitos casos com pertinência, descrito e analisado. Mas isto só é válido se tal projecção for conscientemente considerada como tal, como uma espécie de efeito de estranhamento ou como “mito científico” (Freud) para esclarecer aquilo que ele próprio não poderia ser. Uma crítica idêntica é formulada por Müller: “ao colocar-se o senhor fundiário e o burguês comerciante lado a lado com a figura de Ulisses é ocultada uma diferença essencial … a diferença entre trabalho físico e trabalho intelectual e a sua imperatividade através do domínio directo de classe deve distinguir-se claramente da forma de divisão de trabalho que as condições sociais devem produzir cegamente sob o domínio do valor (Müller 1976, p. 193).
(6) Na realidade, a crença burguesa e optimista no progresso é já acompanhada, o mais tardar no século XIX por um pessimismo de sinal contrário, pense-se na obras de Freud “Mal-Estar na Civilização” e de Spengler “A Decadência do Ociedente” e do seu actual émulo, Samuel Huntington.
(7) Se é certa a crítica de Postone (1993, p. 71 e segs) à utilização “materialista” por Lukáccs da Filosofia da História de Hegel, de que o espírito do mundo (Weltgeist) nada mais é do que o reflexo idealista do “sujeito automático”, ou seja, um princípio específico de socialização historicamente determinado, então esta crítica é também indirectamente aplicável à filosofia da história desenvolvida na Dialéctica do Esclarecimento
(8) Que esta construção não é assim tão linear, aperceberam-se certamente Horkheimer e Adorno; as especificidades da modernidade capitalista e da Razão característica são demasiado evidentes. É o que esclarecem observações como: o Esclarecimento dos tempos modernos iniciou-se sob o signo do radicalismo; isto o distingue de outras formas de desmitologização (DE, p. 83). Frases como esta não colocam porém em causa o conjunto da argumentação e servem sobretudo o objectivo de colmatar as suas fissuras e contradições, sem as levar a sério. Radicalismo quer aqui dizer que a Razão Formal burguesa retorna às raízes da hominização. Ela constitui a conclusão lógica de um processo de desenvolvimento: “Este processo é simultâneamente o da destruição e da Civilização. Cada passo foi um progresso, uma etapa do esclarecimento. Mas enquanto todas as mudanças anteriores, do pré-animismo à magia, da cultura matriacal à patriarcal, do politeísmo dos escravocratas à hierarquia católica, colocavam novas mitologias, ainda que esclarecidas, no lugar das antigas …, à luz da Razão Esclarecida toda a devoção que se considerava objectiva, fundada nas coisas, foi dissipada como mitologia” (D.E. p. 84). Ou ainda: “o burguês nas sucessivas formas de senhor de escravos, empresário livre, Administrador, é o sujeito lógico do Esclarecimento”. (DE p. 76).
(9) V. Ortlieb 1998 e Jappe, 2001; para a história desta relação com a natureza v. Böhme/Böhme 1985 e Lippe 1988.
(10) Esta conjugação de medo e Razão é estrategicamente necessária à medida que o medo é reprimido … a moral (no sentido da moral Kantiana; N. Trenkle) é a tentativa de superar o medo que ela é a primeira a criar. O “double bind” interior em que a moral coloca o sujeito amarra-o implacavelmente à lei. Sem este medo não existiria esta forma de Razão (Böhme e Böhme, 1985, p. 331).
(11) V. sobre este ponto também Scholz 1992 e 1999 e ainda Ortlieb 1998, pp. 40 e segs.
(12) O pensamento antropologizante tomado de Freud, segundo o qual o irracional – a parte reprimida pela Razão e que sempre encontra maneira de vir ao de cima sobre a falhada separação da Natureza – é a parte obscura da (até aqui) Civilização, é ainda largamente o pressuposto da Dialéctica Negativa, mesmo se apenas referido en passant, está implícito em muitos argumentos: “A evidência è a marca de água da Civilização: bom é o uno, inalterável, idêntico. O que não se adapta a isto, tudo o que é herança da época natural pré-lógica, transforma-se automaticamente no mal, tão abstractamente como o princípio do seu pólo oposto. O mal burguês é a pós-existência do antigo, submetido, mas não inteiramente submetido” (DN, p. 240). Para a relação entre Natureza e Razão, cfr. por exemplo também DN, p. 285.
(13) Sobre a contradição interna em Marx sobre esta questão v. Kurz 1995 e Kurz 2000, p. 13-48; sobre a crítica do mito do progresso e a metafísica burguesa da história, cfr. Lohoff 1996 e 1998.
(14) Adorno criou aqui sem dúvida as bases para um desenvolvimento da decifração do fetiche da mercadoria. Não por acaso, foram sobretudo os seus discípulos (Krahl e Backhaus) que desenvolveram esta tarefa teórica.
(15) “Foi mérito de Adorno e também de Horkheimer ter chamado a atenção à ligação entre a forma lógica da generalidade, ou seja, o princípio estrutural do Pensamento puro, e o princípio de socialização do trabalho suspenso sobre a actividade de produção real dos indivíduos como ponto de referência. O seu defeito é ter-se ficado por esta referência ao nível mais elevado que foi atingido pela consciência burguesa sobre o seu próprio mundo. A opinião do sujeito transcendental como ponto de fuga organizativo da sociedade dos sujeitos pensantes individuais “ocupados como intelectuais” pode-se definir como repetição da visão da economia clássica no plano da teoria do conhecimento, segundo a qual das actividades singulares dos indivíduos em relação de troca surge a harmonia do conjunto do trabalho social” (Müller 1976, p. 201).
(16) Postone (1993, p. 84 e segs) que sobretudo Horkheimer e Pollock não conseguiram ultrapassar os limites do marxismo tradicional, a partir do qual se explica a sua viragem pessimista. O mesmo se aplica sem dúvida, mas apenas de modo diferente, também a Adorno.
(17) É completamente errada a construção da filosofia da história do Capitalismo como etapa necessária da emancipação, quando ele é mantido literalmente pelo uso da força contra a sua lógica interna de desmoronamento e depois até o bombardeamento de um país atirado para fora do mercado pode aparecer como um acto civilizatório. Adorno tê-lo-ia criticado acerbamente; no entanto, esta indesejada consequência perversa – em que Esclarecimento se identifica directamente com o seu lado obscuro – está seguramente contida nos paradoxos da sua Filosofia da História.
(18) Noutro lugar lê-se: “A ideia de Liberdade, por ter sido concebida entretanto de maneira tão abstracta e subjectiva, não perdeu a sua força sobre a humanidade, a ponto de a tendência social objectiva a poder enterrar sem esforço” (DN, p. 215). Portanto: o conceito de Liberdade do Iluminsmo não exprime de per si o contexto interno para “a tendência social objectiva”, mas, pelo contrário, permanece exterior e impotente face a ela.
(19) “Nesta dialéctica de apropriação e repressão cumpre-se a definição moderna da realidade. Quando Hegel finalmente identifica o real com o racional, reprime a repressão” (Böhme e Böhme, 1985, p. 14).
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Original alemão – Gebrochene Negativität. Anmerkungen zu Adornos und Horkheimers Aufklärungskritik — Norbert Trenkle [PDF]
Páginas citadas de acordo com as edições alemãs.
Citações traduzidas do alemão.
Este Texto teve uma versão anterior do autor, incompleta, traduzida por NEGATIVIDADE QUEBRADA.
Tradução de José Paulo Vaz, com a colaboração de Boaventura Antunes – (31.08.2002)