Porque a crença no imposto sobre o carbono é ilusória e não pode haver uma “economia de mercado ecológica”
de Norbert Trenkle
1.
Dizer que o imposto sobre o carbono não produz os efeitos prometidos é pouco. No geral, ele não conduzirá a uma redução significativa das emissões nocivas para o clima, nem iniciará uma “transformação ecológica” da economia de mercado; pelo contrário, é uma carta branca que a sociedade se dá para poder continuar como antes. Compreender isto não requer muita imaginação; um pouco de conhecimento prático é suficiente. Mesmo que o imposto conduza a alguma poupança nas emissões de carbono aqui e ali, é bastante previsível que esta venha a ser compensada por um maior consumo de recursos em outros lugares. Esse mecanismo é há muito conhecido e amplamente discutido na literatura pós-crescimento. Poupanças relativas no consumo de energia (por exemplo, por motores mais eficientes) são sobrecompensadas pelo aumento do consumo absoluto (por exemplo, carros maiores e em maior quantidade). Este é o chamado efeito rebote material. Além disso, as medidas políticas com fachada ecológica legitimam a manutenção do modo existente de vida e de produção e estimulam ainda mais o crescimento econômico, uma vez que supostamente já foi dada uma contribuição relevante para a conservação da natureza e do meio ambiente. Isto é referido como efeito rebote político. Um exemplo típico disso foi a introdução de catalisadores de escape na década de 1980, que se destinava a tornar os carros “amigos do ambiente”, mas que na realidade apenas serviu de álibi para a expansão do tráfego de carros (desde então, ele duplicou na Alemanha). Finalmente, existe o efeito rebote psicológico, que consiste em proporcionar aos consumidores uma consciência tranquila para que eles possam continuar comprando sem inibições as mercadorias residuais produzidas em massa.
Se fosse preciso uma prova que o imposto sobre o carbono funcionará exatamente desta forma, o debate em curso a entrega de bandeja. Os líderes políticos de todo o espectro partidário apressam-se a elogiar os efeitos esperados de poupança, para recuarem imediatamente pelo fato de o imposto, evidentemente, não ter que ser um fardo pesado demais para a sociedade. As propostas mais absurdas são as de distribuir imediatamente à população as receitas advindas do novo imposto. Pois aqueles que fossem recompensados por ter uma pegada de carbono um pouco inferior à média certamente reinvestiriam imediatamente o rendimento adicional em mais consumo, de modo a que o uso de recursos ocorra em outro lugar.
2.
Para produzir realmente um efeito ecológico significativo, o imposto sobre o carbono deveria ser suficientemente elevado para restringir maciçamente o consumo de todos os bens e serviços de grande intensidade energética. No entanto, isso abrangeria quase toda a gama do consumo, desde os carros e o aquecimento até o transporte aéreo e a maioria dos produtos industriais e agrícolas. Claro que isso não vai acontecer. Não simplesmente porque os grupos de interesse da indústria e das empresas tentam impedir isso por todos os meios (e é claro que o fazem). Mas porque nenhum partido político relevante irá contra a lógica interna de um sistema econômico e social cuja essência se baseia no imperativo do crescimento econômico sem fim. Essa coação pelo crescimento resulta do fato de, no sistema de economia de mercado, a produção de riqueza social como um todo estar sujeita a um único propósito: o de fazer do dinheiro mais dinheiro. O dinheiro, no entanto, é a expressão de uma forma historicamente muito específica de riqueza social. Representa riqueza abstrata, riqueza que se comporta de maneira indiferente em relação aos fundamentos materiais e concretos e às condições de sua produção. O que conta é apenas o fato de o mecanismo de multiplicação do dinheiro, ou seja, a acumulação de capital, permanecer em movimento, porque a sociedade inteira se agarra nele como um viciado à agulha.
A produção de riqueza abstrata, no entanto, tem sempre um lado concreto-material. Os bens são produzidos, os transportes são realizados, as máquinas são postas em movimento, as matérias-primas são extraídas, as florestas são desmatadas e, naturalmente, a mão de obra é sempre utilizada. Mas tudo isto é sempre apenas um meio para o objetivo efetivo da produção. O mundo material-concreto está assim subordinado à produção de riqueza abstrata. E isto nos leva ao cerne do problema. Ao contrário do que acontece no mundo material-concreto, não há limites no mundo da riqueza abstrata. Neste, rege a lei da multiplicação sem fim. Se uma soma de capital produziu um lucro, no período seguinte este funciona como capital e deve, por sua vez, gerar lucro, que deve então ser reinvestido, e assim por diante. É óbvio que essa dinâmica de coerção não é compatível com a limitação natural do mundo material-concreto. Pelo contrário, a produção de riqueza abstrata implica inevitavelmente a destruição dos fundamentos naturais da vida. Quanto mais o modo de produção capitalista se estabeleceu em todo o globo e mais ele se expande, mais depressa progride essa destruição. A fome de riqueza abstrata faz com que a produção de recursos materiais cresça em escala exponencial. Esta perspectiva não é nenhuma novidade. Já no século XIX alguns autores apontavam para isso – entre eles, um certo Karl Marx. E o mais tardar desde a aparição do primeiro relatório do Clube de Roma, em 1972, a percepção de que há “limites para o crescimento” penetrou também na consciência geral.
O fato de, apesar disso, seguirmos como se tudo aquilo fosse uma nota de rodapé na história não se deve à incapacidade dos políticos ou à sua relutância em levar a sério as descobertas científicas, como muitos dos membros do movimento Fridays for Future acreditam. A razão é antes a enorme inércia de um modo de vida e de produção social que desde então se impôs em todo o mundo e, por conseguinte, parece não ter alternativa. Embora a maioria das pessoas não tenha capital à disposição, elas são igualmente dependentes da continuidade do processo de acumulação. Para sobreviverem nas condições dominantes, têm de vender sua força de trabalho ou dependem de outros fluxos de dinheiro, por exemplo, sob a forma de benefícios sociais, que também devem ser alimentados pelo ciclo do capital. É por isso que a maioria das lutas de interesses giram em torno da distribuição do dinheiro e tomam como natural o mecanismo por trás dele. Essa é a razão mais profunda pela qual o crescimento econômico goza do estatuto de religião e só é seriamente questionado por minorias sociais. Não é que a maioria das pessoas seja estúpida ou mesquinha. Elas simplesmente sabem muito bem que, nas condições dominantes, não seria boa para elas uma retração da economia.
Uma rápida e consistente mudança radical na base energética seria uma ruptura tão grave que, especialmente nos centros capitalistas, não poderia ser implementada sem as mais severas convulsões econômicas, sociais e políticas. A desvalorização maciça das instalações e infraestruturas industriais existentes provocaria um choque econômico e traria consigo uma grave crise, cujos custos seriam distribuídos também de forma muito desigual. Ela afetaria sobretudo as regiões e as camadas da população particularmente dependentes das indústrias e estruturas fósseis. Além disso, haveria ainda enormes custos do lado do consumo. Milhões de carros convencionais seriam desvalorizados de fato, as moradias teriam de ser massivamente equipadas com novos sistemas de aquecimento e isoladas termicamente, enquanto, ao mesmo tempo, os preços de praticamente todos os alimentos e bens de consumo disparariam. Mais uma vez isso afetaria principalmente as pessoas com rendimentos baixos e médios, sem qualquer margem de manobra financeira.
3.
Portanto, quando os opositores do imposto sobre o carbono o acusam de “antissocial”, eles têm fortes argumentos a seu favor. Naturalmente, trata-se predominantemente de pessoas indiferentes à “questão social” e que apenas a instrumentalizam aqui por motivos políticos e ideológicos evidentes. No entanto, eles apontam para um problema que deve ser levado a sério. É certo que as disparidades sociais e regionais já existentes aumentariam significativamente e, com isso, também seriam intensificados os conflitos sociais pela distribuição, como já foi demonstrado pelos protestos dos coletes amarelos. Além disso, a disputa sobre a política climática está há muito tempo carregada ideológica e politicamente, e polariza a sociedade. Não é por acaso que a relativização ou negação da mudança climática faz parte do núcleo da ideologia populista de direita. Esta representa essencialmente uma forma regressiva de reação à experiência dos limites atingidos pela supremacia branco-ocidental no mundo. É por isso que os seguidores populistas de direita odeiam com particular fervor todos aqueles que lhes recordam a perda dos seus privilégios supostamente evidentes. Para além dos refugiados, dentre estes estão especialmente os defensores e as defensoras do clima, que se opõem a que os custos do estilo de vida nos centros capitalistas sejam transferidos para o resto do mundo e para as gerações futuras.
Essa situação política e social tensa explica por que razão o discurso político, sob pressão do movimento Fridays for Future, retomou o apelo a um imposto sobre o carbono, mas apenas para reduzi-lo imediatamente a um nível homeopático. Os Verdes não são exceção. Já estão pisando o freio e o farão ainda mais caso regressem ao governo. Em relação à estreita margem da ação política sob condições capitalistas, isto é perfeitamente racional; um governo que agisse de forma diferente desencadearia uma dinâmica de conflito social incontrolável e seria derrubado em um curto espaço de tempo. Aqueles que defendem um imposto sobre o carbono bem elevado no fundo também sabem disso. No entanto, suprimem-no ao afirmar que seria perfeitamente compatível com o crescimento e a criação de novos postos de trabalho; tratar-se-ia apenas de um instrumento de controle para orientar as atividades da economia de mercado numa nova direção e para mudar para formas de energia “sustentáveis”. Com essas e outras medidas semelhantes, alegadamente seria possível implementar até mesmo uma “economia de mercado ecológica”.
Em princípio, quase todos os economistas compartilham a visão de que economia de mercado e ecologia podem ser reconciliadas, bastando para isso a competência política. A controvérsia consiste apenas em quais medidas conduziriam melhor a esse objetivo. O comércio de licenças de emissão é particularmente elogiado como alternativa ou complemento ao imposto sobre o carbono. Por um lado, porém, já existe há quase 15 anos no nível da UE, onde provou ser um grande fracasso, naturalmente sempre atribuído pelos seus adeptos a uma aplicação incorreta. Por outro lado, essa medida, mesmo que funcione até certo ponto em algum momento, enfrenta o mesmo dilema que o imposto sobre o carbono. Se o preço das licenças fosse suficientemente elevado para ter um impacto grave nas emissões de carbono, isso sufocaria o “crescimento”, portanto a dinâmica da acumulação de capital. E é evidente que isso não pode acontecer; não é de admirar, assim, que o preço por tonelada de carbono seja atualmente de apenas 25 euros. E surge finalmente a pergunta: se os governos são capazes de controlar as emissões de carbono das empresas, por que não prescrevem logo valores limite ao invés da tentativa de produzi-los por meio do desvio absurdo de um mercado extremamente opaco?
No interior da lógica capitalista são apenas essas disposições estatais diretas que podem, quando muito, alcançar algum efeito. Em contrapartida, a tentativa de aplicar um mecanismo de preços significa apenas tomar um desvio que, na melhor das hipóteses, produz efeitos mínimos e sempre efeitos secundários negativos. Isto se aplica ao imposto sobre o carbono e às licenças de emissão, bem como à ideia de que o modo de produção poderia ser alterado através de uma mudança no comportamento individual do consumidor provocada pela pressão moral. Tais ideias só são populares na medida em que se enquadram na ideologia hegemônica segundo a qual o mercado é controlado pela soma das decisões de indivíduos e empresas supostamente soberanos. A verdade, porém, é que o mecanismo de propulsão da dinâmica capitalista reside na acumulação de capital e, portanto, na esfera da produção, enquanto as decisões de compra vêm sempre a posteriori e dependem dessa dinâmica.
4.
A ideia de uma “economia de mercado ecológica” não passa fundamentalmente de uma bolha de sabão. Em princípio, o capitalismo pode ser regulado e “contido” de muitas maneiras, mesmo que isso se torne cada vez mais difícil na era da globalização (um “mercado livre” sem regulação existe apenas nas fantasias de terror dos liberais hardcore; nunca existiu e nunca existirá). Mas a lógica básica de compulsão pelo crescimento, baseada no fim em si mesmo da acumulação de capital, não pode ser simplesmente eliminada já que ela constitui o núcleo do sistema da economia de mercado. Portanto, mesmo que, em curto prazo, fosse realmente possível alterar a base energética, isso, melhor das hipóteses, desaceleraria um pouco o ímpeto da destruição ecológica, que seria deslocada para outras áreas. Já quase todos os recursos estão se tornando escassos, desde a água potável até mesmo a areia como matéria-prima para a indústria da construção. E se de fato a maior parte do transporte individual fosse convertido à eletromobilidade, isso levaria a gargalos extremos na “produção sustentável de energia” e também agitaria ainda mais a já feroz batalha por matérias-primas escassas, mas necessárias como o lítio e “terras raras”. Todos estes exemplos acabam por se referir em última instância à insolúvel contradição fundamental de um sistema produtivo e econômico baseado no imperativo da acumulação sem fim de capital que simplesmente não é compatível com as limitações naturais do mundo.
Estamos, em vista disso, em uma situação sem saída? A destruição dos recursos naturais é inevitável? Sim, mas só se aceitarmos a lógica do sistema capitalista como inexorável. Mas se nos atrevermos a questioná-la no seu fundamento e a quebrá-la na prática, abrem-se novas perspectivas. É claro que a alternativa à economia de mercado não pode ser uma economia de Estado planificada, como a conhecemos dos tempos do felizmente desvanecido “socialismo real”. Pois este não era nada mais do que um capitalismo autoritariamente estruturado e organizado de modo estatal. Ali também estava no cerne a produção de riqueza abstrata; apenas os preços, salários e lucros não se formavam no mercado, mas eram estabelecidos pela autoridade do planejamento estatal. E ali também o crescimento econômico era o critério de sucesso, só que as estruturas estatais foram simplesmente rígidas e pesadas demais para competir com o Ocidente, que de fato só foi ultrapassado na extensão da destruição ambiental.
A questão que hoje se coloca não é mais ou menos Estado ou mercado. Ela vai muito além dessa falsa alternativa. A necessária transformação social tem um caráter muito mais fundamental. Ela não afeta apenas a “economia” e sua relação com a “ecologia”, mas visa também um conceito amplo e qualitativamente determinado de riqueza social. Por um lado, isso inclui uma orientação para a riqueza material e, portanto, significa necessariamente a abolição da produção de riqueza abstrata. Por outro lado, a riqueza social não deve ser reduzida à produção material de bens em sentido restrito. A riqueza social significa também, e acima de tudo, riqueza nas relações sociais; significa a possibilidade de decidir livremente a forma de ser socialmente ativo. São cidades, povoados e paisagens nas quais as pessoas se sintam bem; é a preservação do ambiente natural e muito mais.
A transformação da forma social da riqueza inclui também uma transformação fundamental na forma do vínculo social. Trata-se de uma relação completamente diferente das pessoas entre si, com o seu contexto social e com o ambiente natural. Na sociedade capitalista, as pessoas se enfrentam como indivíduos isolados que buscam seus interesses particulares uns contra os outros. A sua relação é de concorrência geral e de alheamento mútuo; ao mesmo tempo, seu contexto social aparece-lhes como um objeto externo e estranho, em relação ao qual se comportam instrumentalmente, da mesma maneira em que eles próprios são apenas um meio a serviço da produção de riqueza abstrata. Expressão disso é a transformação de quase todos os vínculos em relações entre mercadorias, que obriga cada indivíduo a se adaptar constantemente à viabilidade de mercado e à vendabilidade. A indiferença dos seres humanos uns para com os outros, bem como para com a sociedade e para com os fundamentos naturais da vida é, portanto, um princípio estrutural do capitalismo. A alternativa só pode ser uma sociedade baseada nos princípios da livre cooperação e da auto-organização e na qual a individualidade não se baseie na delimitação e autoafirmação, mas no desenvolvimento de cada um como pré-requisito para o desenvolvimento individual dos demais.
5.
Isso pode soar utópico, mas no fundo o solo já está preparado. A sociedade capitalista não produz só enormes perigos e ameaças, mas também potencialidades que apontam na direção acima indicada. Mas estas só podem ser realizadas numa oposição consciente à lógica da economia de mercado. Caso contrário, elas não só serão neutralizadas, como também se transformarão em forças motrizes para a aceleração da dinâmica capitalista e para a destruição dos fundamentos naturais da vida.
Isto é particularmente verdade no que se refere à importância crescente do conhecimento como força produtiva para a sociedade e para a produção da riqueza. Usado sensatamente, ele não só tornaria possível reduzir radicalmente o tempo gasto na produção de bens em geral, como ainda proporcionaria às pessoas do mundo inteiro (e realmente a todas elas) uma riqueza material mais do que suficiente. Além disso, traz o potencial de uma produção compatível com a ecologia e a conservação de recursos. Por exemplo, a descentralização abrangente dos ciclos de produção com uma cooperação global simultânea (livre fluxo de conhecimento, intercâmbio de recursos não disponíveis regionalmente, etc.) não só reduziria as rotas de transporte ao mínimo necessário, como também tornaria as inter-relações de produção e os fluxos de recursos muito mais manejáveis e mais facilmente acessíveis ao controle consciente.
Sob os ditames da lógica da rentabilidade capitalista, porém, acontece exatamente o contrário. Em primeiro lugar, embora o tempo de trabalho nos setores centrais da indústria tenha sido extremamente reduzido, foi apenas para tornar as massas de força de trabalho “supérfluas” e forçá-los a condições de trabalho precárias, enquanto se intensificou a pressão por desempenho para aqueles que permaneceram. Em segundo lugar, a produção só foi “descentralizada” em um sentido negativo, na medida em que as várias fases de produção foram distribuídas pelo globo segundo critérios de custo, o que é acompanhado não só por uma exploração extrema da força de trabalho na periferia, como é também catastrófico do ponto de vista ecológico, considerando-se apenas a enorme necessidade de transporte. E, em terceiro lugar, muitas tecnologias ecológicas e de aplicação descentralizada ou foram rejeitadas por não serem “rentáveis”, ou foram logo descartadas por empresas interessadas em proteger seus produtos da concorrência.
De maneira semelhante, as capacidades de cooperação e de trabalho autônomo, que se tornaram cada vez mais importantes nas empresas modernas, são constantemente contrariadas pela concorrência onipresente e pela pressão de desempenho, assim como pela permanente compulsão à viabilidade de mercado (que se manifesta especialmente em um aumento acentuado do sofrimento psicológico). Também a idéia, razoável em si mesma, de não possuir todos os tipos de bens, mas de compartilhá-los e usá-los conjuntamente, transformou-se rapidamente em um novo campo de negócios, invertendo a idéia básica da Economia Compartilhada. Assim, por exemplo, a Uber agravou as já precárias condições de trabalho no setor dos transportes e, de resto, contribuiu não para a redução, mas para o aumento do tráfego de carros nas cidades, já que muitas pessoas preferem ser conduzidas por um escravo de serviço a utilizar o metro ou o ônibus. E, finalmente, a Internet há muito se transformou em um enorme campo de negócios para a indústria do entretenimento, da publicidade e de todo tipo de esquemas criminosos, bem como em um gigantesco instrumento de vigilância, enquanto o potencial para uma cooperação global em rede e o livre fluxo de conhecimento nela contido (que foi inicialmente celebrado euforicamente) é agora utilizado apenas em nichos.
6.
A enumeração poderia continuar quase infinitamente. Ela refere-se à enorme flexibilidade e força de atração da lógica capitalista, que tem conseguido repetidamente integrar tendências e impulsos relutantes e torná-los utilizáveis para a continuação de sua própria dinâmica de acumulação. Mas há sempre indivíduos, grupos e iniciativas que se opõem a essa lógica, mesmo que geralmente permaneçam marginais e só possam ganhar importância no quadro de movimentos sociais fortes. Além disso, há outro ponto: embora o sistema capitalista tenha uma tremenda capacidade de repetidamente protelar os limites de sua existência, o preço para isso é uma intensificação do potencial de crise e do seu correspondente ímpeto destrutivo. Isto não diz respeito apenas à contradição indissolúvel entre o impulso de acumulação de capital sem fim e as limitações naturais do mundo, que por meio de medidas simbólicas como o imposto sobre o carbono ou outras ações compensatórias como a moralização do consumo, é deslocada até atingir uma escala que põe em causa as condições da vida humana na Terra.
Também na dinâmica econômica o capitalismo está atingido os seus limites históricos. A abrangente e sistemática automação e digitalização da produção, desde a década de 1980, não só implicou um enorme aumento da pressão no trabalho e no desempenho, mas também teve um impacto enorme no movimento do fim em si mesmo da valorização do capital. Como esta se baseia essencialmente na aplicação de força de trabalho na produção de mercadorias, a massiva expulsão da força de trabalho desencadeou inevitavelmente um processo de crise fundamental que continua até hoje. Também aqui o sistema capitalista demonstrou sua capacidade de deslocar suas próprias contradições; o centro da acumulação de capital foi transferido para os mercados financeiros, onde o capital fictício, ou seja, a antecipação de “valor futuro” sob a forma de títulos, ações e outros instrumentos do mercado financeiro, vem marcando o compasso da economia mundial há quase quarenta anos. Mas mesmo que isso tenha conseguido adiar mais uma vez os limites históricos da acumulação de capital, o preço para tal é a multiplicação do potencial de crise, que se descarrega em crises recorrentes do mercado financeiro. No entanto, como cada um destes impulsos de crise se resolve regularmente por meio da “produção” de ainda mais capital fictício, ou seja, com a acumulação de ainda mais material explosivo, cada explosão subsequente torna-se inevitavelmente ainda mais violenta. O próximo crash nos mercados financeiros já está no horizonte e eclipsará em muito os efeitos econômicos, sociais e políticos da crise de 2008.
7.
Portanto, o fato de a dinâmica capitalista atingir seus limites históricos de várias maneiras não é em si mesmo uma boa notícia. Pois o sistema capitalista não desmorona e desaparece pura e simplesmente, mas, na tentativa de prolongar sua própria existência, desdobra novamente uma tremenda força destrutiva e, caso não seja impedido de fazê-lo, deixará para trás o planeta como uma terra arrasada. Isso só pode ser evitado por um movimento global que se oponha firmemente à lógica capitalista e, ao mesmo tempo, conquiste o terreno para uma sociedade auto-organizada e cooperativa, para além da produção de riqueza abstrata.
O caminho para tal sociedade não passa pelos parlamentos, nem pela revolução clássica da época burguesa, no padrão de 1789 ou de 1917. Pois esta sempre visou ocupar o aparelho da violência do Estado para usá-lo como agente de uma transformação social a partir de cima, e dessa maneira só reproduziu a relação de poder existente em vez de aboli-la. Uma sociedade cooperativa e auto-organizada, no entanto, baseia-se no princípio da associação voluntária de indivíduos sociais e, portanto, não pode ser decretada a partir de cima, mas apenas desenvolvida por um movimento de emancipação global em um confronto cheio de conflitos com a sociedade existente. As margens de ação para isso devem ser conquistadas: através da apropriação dos recursos necessários para o desenvolvimento das próprias estruturas (terra, edifícios, meios de produção e de comunicação, etc.) e através da rejeição ativa da produção de riqueza abstrata e da sua dinâmica tão imperial quanto destrutiva.
Naturalmente, a luta pela hegemonia na interpretação dos processos sociais e políticos também será decisiva. Ambos os adversários estão claramente definidos. Por um lado, está a pós-política liberal, que apelando a “restrições objetivas” declara não haver alternativas ao sistema capitalista da economia de mercado e se dispõe, no máximo, a algumas correções cosméticas. E, por outro lado, está a Nova Direita que se perfila como contra-modelo do liberalismo, embora represente apenas o seu reflexo regressivo e uma agudização autoritária, racista e abertamente violenta da dinâmica de crise. No meio, porém, encontra-se um campo amplo e heterogêneo de discursos, movimentos e iniciativas, a partir do qual poderia se formar um contrapoder social, caso uma nova perspectiva de emancipação social se tornasse visível e praticamente tangível e se desdobrasse em uma força de síntese.
O movimento Fridays for Future tem certamente o potencial de se tornar a faísca inicial para tal contrapoder. Tem consciência da dimensão existencial e mundial da crise, está globalmente em rede e se organiza de modo não hierárquico, quer mudar praticamente a sociedade – e teve a importante experiência de conseguir impacto social e político a partir de uma firme pressão desde baixo. No entanto, a sua fraqueza reside no fato de manter até agora suas críticas e exigências inteiramente no quadro do funcionamento social dominante e de, em termos políticos, exigir sobretudo a aplicação particularmente consistente do imposto sobre o carbono e instrumentos políticos similares, bem como de propagar uma renúncia ao consumo. Mas isso coloca os manifestantes em um campo de discurso no qual já estão derrotados, pois é fácil provar que tais demandas são incompatíveis com a lógica do sistema da economia de mercado. Se o movimento Fridays for Future quer continuar na ofensiva, deve, portanto, passar a questionar radicalmente essa lógica. Se não o fizer, terá de assistir à transformação do seu protesto contra as alterações climáticas em uma licença para matar o clima.
Tradução: Javier Blank