31.12.2001 

A impotência do onipotente

Ernst Lohoff

Raras vezes os representantes da união democrática mundial demonstraram tanto caos e confusão como depois dos golpes certeiros dos pilotos camicases em N.Y e Washington. Contudo uma das frases de maior circulação, desde o 11.9, é ‘adiantar-se’. Esse dia mudou o mundo”, opinou- entre outros- o líder evangélico do povo alemão Johannes Rau. O desabamento do World Trade Center marca efetivamente em toda sua simbologia um momento histórico crítico.

De uma forma direta o aspecto militar é certamente visível. Desde o desaparecimento de contrastes entre leste e oeste a restante ‘Potência Mundial’ viu-se não apenas legitimada a, sozinha ou junta com seus novos parceiros europeus, brincar de policiais do mundo; como representante de uma de suas próprias invulnerabilidades, da incontestável prepotência proveio a administração dos Estados Unidos, coube-lhe no cenário internacional algo como um autêntico monopólio de violência. As guerras da ordem mundial dos anos 90 pareceram comprovar essa reluzente recepção. A segunda guerra do Golfo iguala-se a um tiro ao alvo de alta tecnologia e a guerra do Kosovo mostra ainda que nenhum dos exércitos atuais desprovidos de tecnologia tem a mínima chance de defesa contra a máquina de guerra de alta tecnologia norte-americana. Essa idéia extravagante açoita, agora, a dialética do desamparo. Duas dúzias de atentados suicidas demonstram que os centros da sociedade de consumo são altamente vulneráveis. Algumas tesouras de tapeçaria e utensílios de barbear na hora errada, no lugar errado, nas mãos erradas, bastam para reduzir Manhattan a cinzas e escombros e matar milhares. Nesse campo a máquina de guerra norte-americana gostaria de ser invencível, mas o próprio “País da Liberdade” mostra-se como um único, gigantesco prato de Targets1 que está apenas esperando pelo próximo grupo de fanáticos políticos.

Nenhuma manhã ruim sem uma noite de bons sonhos. Os detentores do poder político do oeste propagam e protegem abertamente o prometedor processo de globalização, a acelerada decomposição do referencial público e não apenas isso; eles formaram e formam ao mesmo tempo idéias totalmente ilusórias sobre o caráter dessa evolução. Enquanto eles intensificam, na marca do mercado totalitário, a expansão do mercado mundial por capital, mercadorias, e pessoas proprietárias de dinheiro, eles imaginam a internalização da ilimitada livre concorrência para um belo mundo de contínuo caráter pacífico. Essa consciência alucinada calcula uma ameaça dessa ordem apenas como algo vindo de fora. A ameaça provém, em princípio, de pessoas e regiões que sob todos os pontos de vista perderam a anexação ao novo comércio mundial e seus modelos. Em conformidade com isso eles aparentam o antecipado cenário conflituoso dos dominantes. Como inimigos em potencial, as ainda restantes ditaduras vanguardistas e alguns homens provincianos tem de sofrer e como forma de explicação será tomada como referência a íntima guerra internacional. Metodicamente combatentes, que se distingam da população civil americana, devidamente armados devem atacar os Estados Unidos por fora. No projeto Guerra nas Estrelas, o plano de defender o território americano, de uma vez por todas, de um possível ataque e de todas as concebíveis nações vis através de mísseis de defesa tornou-se um projeto político-militar para o futuro.

No dia 11.09 irrompeu sobre os Estados Unidos um novo modelo de uma violenta realidade que maculou todos os conceitos de defesa deste país. Um tipo pós-moderno de inimigo passa sobre os sistemas de defesa militares, nos quais ele desmascara a separação entre exterior e interior como ficção e transforma com métodos primitivos a onipresente alta tecnologia em aniquilamento total das armas. Não os pérfidos chefes de estado ou líderes revolucionários que por seu reconhecimento como sujeitos políticos lutam e atacam o poder supremo, mas sim cidadãos anônimos com algo peculiar, uma interpretação diferente da dos usuais turistas sobre o valor real dos aviões de transporte.

A Superpotência completamente atingida reage à sua dolorosa imaginação agora com exacerbada negação. ‘Quem tem o poder define o que deve ser considerado como realidade’. Dessa “ONG” ,de outro modelo, de pessoas desprezíveis, é dirigida uma organização terrorista pelo mentor de nome Osama Bin Laden . Já que o governo dos Estados Unidos precisa de uma nação vil para o seu modelo de guerra, ele também acha o que procura; para ele basta a circunstância que atentados raramente recaiam sobre águas internacionais e detenham-se geralmente a terra firme. Os Estados Unidos tem o sagrado direito de invadir todos os Estados que eles possam supor ter manchado o seu território com terrorismo e de chamar tal procedimento de legítima defesa. Mas antes de tudo a força de combate contra o oeste é mistificada em um arcaico poder. A pretensa guerra moral com o islamismo, compreensivelmente um genuíno produto da época de globalização, cai como uma universal caça às bruxas para a tenebrosa Idade Média.

Depois do tiro certeiro “no coração da civilização ocidental”, o qual é de se procurar, portanto, no Pentágono e centro financeiro nova iorquino, a mobilização geral contra o fundamentalismo islâmico foi executada dentro de poucas horas. A rápida, primeira reação de reflexo mostra que a população já estava preparada há muito tempo para o chamado. Toma-se “Independence Day” de Roland Emmerich, combina-se o filme com ” O choque das civilizações” de Huntington e está pronto o roteiro no qual a sociedade norte-americana se orienta e do qual a administração norte-americana gostaria de ordenar o mundo. Sob o otimismo capitalista e futurista da vencedora globalização ocidental encontra-se ,ainda, uma segunda camada da opinião popular, na qual medo e prazer ,no final, amalgamam-se. Com o atentado de Oklahoma já tornou-se claro que o caldo entornaria. Mas para a sua grande saída o fundamentalismo branco precisa de um adversário e parceiro definidos como inimigo. No caso do homicida Mac Veigh a grande maioria não queria o reflexo de sua própria imagem, mas sim reconhecer apenas um único criminoso. Primeiramente o confronto com os companheiros da empreendedora competição islã despertou o ‘ adormecido’ . O confronto enobrece o “fanático armado” e o cerca com a auréola da mais alta superioridade.

Segundo Martin van Creveld, um ilustre historiador militar de Israel, conflitos armados regularmente implicam em discretos processos de reconciliação. Inimizade une. Quanto mais demorado é um conflito, mais semelhanças estruturais verificam-se entre os adversários. Sobre a planície ideológica inicia-se a cruzada ocidental anti-islã já com um alto grau de permutabilidade. Quem se impressiona com as sucessivas divulgações de Bush pela luta contra o ” Império dos Malvados ” e com a propaganda contra o “grande e o pequeno Satanás ” (Estados Unidos e Israel ) pergunta-se irrefutavelmente porque ambos os lados se valem do mesmo pensamento. Porém a unanimidade de uma imagem de mundo maniqueísta para os dois lados ameaça iniciar um profundo processo de convergência.

Uma cruzada antiislâmica com o objetivo de ‘arrancar o mato’ inicia-se. A execução de um potencial atentado suicida no seu refúgio afegão providencia ‘mato novo’. Para isso está feita a nova e distintiva ditadura da segurança, para submeter essa sociedade a um severo regulamento e ao mesmo tempo dar uma violenta impulsão à etnia das contradições sociais nos centros de mercado mundial. Enquanto a prosperidade capitalista estava substancialmente na “mão invisível do mercado” com participação ativa na gloriosa civilização comercial ocidental encontrava-se um ciclo justo. A luta contra o terrorismo islâmico internacional forma o quadro ideal para uma nova interpretação dos valores universais do ocidente através de sinais racistas-culturais. Mas isso condiz com as mutantes condições político-econômicas. Encontra-se agora a distintiva crise do comércio financeiro no seu adequado pedantismo político?

Ernst Lohoff é ensaísta, co-editor da revista Krisis e autor de várias obras na Alemanha.

Tradução de Cleide Gomes Damasceno; estudante da Faculdade de Letras da UFC.

JORNAL CRÍTICA RADICAL – Fortaleza, 08 de outubro de 2001.site: www.criticaradical.hpg.com.br e-mail: criticaradical@uol.com.br