De Franz Schandl
Enduring freedom é como, afinal, se chama o novo campeão de vendas da administração dos EUA. Não há dúvida que seja mesmo essa a intenção. Não se trata de uma piada, de nenhuma paródia, de nenhum mau filme. É a sério. E á mortal. Um Domingo destes foi dado o tiro de partida.
Tanto como a Justiça infinita, a Liberdade duradoura pode apenas existir na morte. A única coisa que tem duração é a morte, apenas ela significa a libertação definitiva, nomeadamente da vida. Enduring freedom não é mais que o nome de código para endless death. O carácter necrófilo de um sistema revela-se nas suas prédicas e palavras de ordem. Mesmo que os seus expoentes não o entendam, visto não enxergarem o seu próprio horizonte. Este nunca foi objecto da sua reflexão. O que brilha é a ignorância. A Casa Branca pensa a sua liberdade à semelhança das coutadas de caça eternas. Como infinita e ininterrupta. Freedom – here, there and everywhere! Trata-se de uma ebriedade ímpar, cujas vítimas, porém, só devem ser os outros.
Quando o filósofo Ludwig Feuerbach, o autor de “A Essência do Cristianismo”, soube da terminologia de guerra neo-americana, deu uma volta no seu túmulo e murmurou: “Quem teme ser finito, teme existir. É esta inexistência ideal que os cruzados agora tencionam impingir aos inimigos como uma grandeza real. Se os seus adversários fanáticos são anjos da morte, eles próprios também não ficam atrás. Nem nunca ficaram.
“Culture is to die for!”, de resto, não é um mote de Osama bin Laden – mesmo que lhe ficasse bem – mas é de Samuel P. Huntington. É precisamente este o filme de cowboys que todos os media presentemente desbobinam. É como um bombardeamento ideológico em larga escala. A nossa visão não deve distinguir-se da televisão. A campanha da morte e a campanha publicitária da liberdade são uma e a mesma coisa. Uma nem seria imaginável sem a outra. É que o pensamento não é de todo imaginável em tempos de uma loucura global que, afinal, conhece as suas racionalidades económicas de mercado. Os sujeitos produzidos pela indústria cultural são ávidos, mas não de conhecimento. Nem sequer querem saber o que recebem ou contra o que fazem guerras. O que interessa é a vingança!
A liberdade capital deve ora, portanto, ser perpetuada por uma acção que designa por liberdade primariamente a morte que ela não trará apenas no futuro, mas que já vinha trazendo. A catástrofe humanitária no Afeganistão já tinha começado antes da acção militar ter sido posta em marcha. O conjunto formado por medo e fome, por fuga, miséria e doença ocasiona os seus efeitos. A este propósito, não só se dedicam minutos de silêncio às vítimas como até por estas bandas se realizam dias de silêncio dedicados aos ditos “danos colaterais”. Para tal, simplesmente não existe consolação. A palavra “falta de consolo” revela toda a dimensão da tragédia.
Se as crianças e os tolos dizem a verdade, Bush júnior e os seus combatentes de Deus fazem parte desse lote. Eles são os verdadeiros aiatolas da liberdade. O vociferar ultimativo bem revela o carácter do seu pessoal. A vertigem religiosa no Talibanistão e no Americanistão é de uma estrutura muito semelhante.
To endure significa, no entanto, também aguentar, passar por, suportar, sofrer. É precisamente isso que a liberdade ocidental tem em mente para os outros. O Império tornado inseguro vacina-se com palavras marciais. Quanto mais estúpida é a terminologia, mais ela denuncia os seus portadores. “Que a desforra se reconheça em mim!” (Dante) seria o imperativo do momento. O palrear autista acerca da liberdade, porém, não provoca um riso libertador, mas ainda continua a produzir compreensão e concordância e, por vezes, até aplausos frenéticos. Esta constância contém toneladas de casmurrice, mas nem um grama de conhecimento. O território da falta de tino é praticamente infinito. O seu alargamento parece ser a mãe de todas as obrigações, tanto no Oriente como no Ocidente.
Podemos imaginar a acção punitiva aproximadamente da seguinte forma: à frente ouvem-se o ruído das metralhadoras e as explosões das granadas, ao passo que de trás se ouvem os Talking Heads a sair das colunas: “Well we know where we’re goin‘/But we don’t know where we’ve been/And we know what we’re knowin‘/But we can’t say what we’ve seen.” É o que diz a estrofe. O refrão vai: “We’re on the road to nowhere/Come on inside.”
Tradução: Lumir Nahodil
Publicado em www.krisis.org em Setembro de 2001