31.12.2007 

Desvia o olhar ou solidariedade com Israel?

Choque de civilizações e delírio antissemita de extermínio

por Lothar Galow-Bergemann
Traducido por Marcos Barreira

Publicado originalmente em alemão em 2007
Deutsche Version bei Krisis

1. “Israel deve ser eliminado da face da Terra”; “a raiz do regime sionista deve ser arrancada”; “o uso de uma única bomba atômica destruiria completamente Israel, causando apenas danos limitados ao mundo islâmico”.

Engana-se quem colocar essas palavras na boca do atual presidente iraniano Ahmadinejad. A primeira citação é de Khomeini, o líder da revolução iraniana de 1979 a 19891; a segunda é do atual líder religioso Khamenei2 e a terceira é do ex-presidente Rafsanjani3, que na Alemanha goza seriamente da reputação de “moderado” do regime iraniano.

Os apelos de Ahmadinejad para a destruição de Israel não são, de forma alguma, a “opinião individual de um louco” na elite do poder da teocracia. Por que, então, acredita-se tão facilmente nisso? Qualquer um que assim o deseje, pode conhecer as intenções do regime iraniano anteriores a Ahmadinejad. Por que tão poucos fizeram isso?

“Os verdadeiros chefes de todas as atividades dos americanos são os judeus, os sionistas e até mesmo os cristãos com tendências sionistas. Hollywood, o clube que divulga mundialmente a imoralidade e a depravação dos grandes capitalistas, está nas mãos de judeus, sionistas ou pessoas controladas por eles”. Aqui não se trata de um Mulá de província, mas do representante de Khamenei, Hassan Rahimian.4 Os dirigentes islamistas sofrem de delírio antissemita.5 Por que tantos relutam em reconhecer isso?

Rahimian novamente: “o judeu é o inimigo mais persistente dos piedosos. E a guerra principal determinará o destino da humanidade. Uma guerra que estabelecerá o domínio mundial do Islã; o reaparecimento do 12º Imã trará uma guerra entre Israel e os xiitas”.6

O fundamentalismo islâmico, perdido no delírio antissemita, aposta na guerra e luta pela dominação mundial.7 Por que tantas pessoas fecham os olhos para isso?

2. Algumas vezes, surpreende a extensão da solidariedade com Israel. Quando se lê as colunas de comentários e os debates políticos, quase todo mundo na Alemanha é realmente um apoiador. O curioso é que quanto mais veementes são as declarações contra Israel, mais esse apoio é enfatizado. E o coro daqueles que realmente se preocupam com Israel logo concorda que infelizmente o país está mais uma vez cometendo um erro e que, de algum modo, é culpado pela sua situação. Para os amigos reais de Israel, só há um caso em que não se pode manifestar sua solidariedade: quando ele se torna concreto. É claro que isso não muda o fato de que, em geral,há realmente uma solidariedade estranhamente forte com o Estado judeu.

Essa autenticidade é uma coisa ótima, pois garante uma consciência sempre tranquila. Também é muito produtiva, pois ela faz com que ovos sejam postos regularmente na Alemanha. Um deles foi posto há pouco por 25 professores alemães e, é claro, eles têm um manifesto8; e cacarejam sobre o “Holocausto e a responsabilidade alemã”. Ao quebrar a casca do ovo, porém, o cheiro não é nada bom: os autores, cuja preocupação com a situação de Israel parece sincera, não mencionam uma única vez em quatro páginas impressas que o regime iraniano nega o Holocausto, apela à destruição de Israel e almeja armas nucleares. Um feito surpreendente, do qual são capazes muitos dos que não são mesquinhos com declarações sobre Israel e suas políticas. Principalmente na esquerda política, baterias inteiras de galinhas estão sempre ocupadas em colocar esses ovos podres.

3. Poucos fenômenos são tão subestimados quanto o antissemitismo. Depois de tudo que ele já fez, isso é inacreditável. Para ser mais preciso, uma tremenda façanha de repressão. O fato de que “os nazistas” sejam responsabilizados pelo Holocausto e não os alemães/austríacos é a mentira vital das sociedades nos Estados sucessores do Grande Reich Alemão. A esquerda supostamente muito melhor, com exceções louváveis, não difere da tendência dominante. Afinal, ela precisou apenas salvar sua base de legitimidade junto à “classe trabalhadora” e à “Nação”, como também nunca quis saber da sua própria história antissemita.9 Por isso, durante décadas o antissemitismo foi fixado pela consciência dominante em algum lugar “no passado”; “hoje”, porém, ele já teria praticamente desaparecido.

É verdade que, sob a pressão dos fatos, essa atitude se tornou um tanto defensiva nos últimos anos, pois já é quase comum que crianças sejam espancadas nos pátios das escolas por serem judias e que se anunciem ingressos para Auschwitz em estádios de futebol, e até mesmo que pessoas sejam mortas por ser judias. Mesmo a Fundação Friedrich Ebert afirma que um em cada sete alemães pensa que “os judeus simplesmente têm algo especial e peculiar e não combinam conosco”.10 O que muitos achavam impossível – o antissemitismo primário, tosco e aberto – atreve-se a levantar a cabeça novamente.

Por mais repugnante que seja, porém, esse não é o problema principal. Ainda é considerado proibido e quem o confessa, felizmente, ainda precisa enfrentar o ostracismo político e social. Muito mais perigoso, porque mais eficaz, é o outro antissemitismo que se estabeleceu após 1945 e que está convicto de que não tem “nada contra os judeus”. Ele se apresenta principalmente como antissionismo, acredita profundamente em sua moralidade e quer “apenas criticar Israel”.

4. Tão logo o senso comum capitalista se levanta para criticar, ele fareja conspiração; ela não consegue explicar a origem da crise, da exploração, da pobreza e da miséria, uma vez que trabalho, mercadoria, compra e venda lhe parecem tão naturais quanto o ar que respiramos. Jamais lhe ocorreria questionar os fundamentos da sociedade formada pela mercadoria. Suas consequências parecem vir de um outro universo. Então ele vai à busca do mal e dos manipuladores – e regularmente os encontra. Às vezes, aquele que escraviza a humanidade aparece como um gestor ganancioso ou um especulador, às vezes como uma empresa petrolífera ou um presidente dos EUA.

Há algum tempo, uma metáfora com conotações antissemitas ganhou destaque na Alemanha: os gafanhotos, que são vistos como uma ameaça em todos os lugares.11 Seria errado, porém, presumir que todos que utilizam essa metáfora têm uma visão de mundo antissemita. A maioria deles provavelmente não está pensando nos judeus e realmente não tem “nada contra eles”. Não há surpresa aqui. A imagem do judeu astuto que – embora seja uma pequena minoria – exerce um poder global enorme e insondável, que manipula, comanda o fluxo do dinheiro, coloca seu próprio interesse acima de tudo, instiga guerras e saqueia os “povos” – foi totalmente desacreditada desde a Shoah.

Permanece bem viva, porém, a ideia admiravelmente semelhante de uma Israel maligna, que – embora tão pequena – exerce enorme e insondável influência na política mundial, influencia fortemente, ou até controla, a potência mundial EUA, mente e de forma hipócrita, brutal e egoísta, ameaça e saqueia os “povos”, além de provocar guerras. Esse fantasma tem um número extremamente grande de seguidores – da direita à esquerda, de Isfahan a Hamburgo.

Uma é tão desacreditada, a outra é tão “legítima” e atual. Ambas as imagens – a do especulador ganancioso e da Israel maligna – não coincidem, mas têm origem no mesmo ventre da consciência de crise capitalista excitada com fantasias conspiratórias. Portanto, não é coincidência que elas frequentemente se misturem e que Israel seja imaginado como uma espécie de “parasitamundial”.

Israel é o resultado do antissemitismo e da Shoah. O antissionismo nega aos judeus o direito de que finalmente deixem de ser uma minoria perseguida e de que constituam a maioria em um Estado. Ele usa estereótipos amplamente antissemitas e os aplica a Israel. Ele assumiu, assim, uma função substitutiva para um antissemitismo socialmente inadequado.12

5. Essa afirmação costuma ser recebida com indignação: “o objetivo é silenciar as críticas, assumindo que todas as críticas à política israelita são antissemitas”. À parte alguns disparates de origem “anti-alemã”, porém, não há praticamente nenhuma posição que defenda tal absurdo. No entanto, a ideia de que essa proibição da crítica existe realmente é um bicho-papão extremamente popular e cultivado com devoção entre os “críticos de Israel” de todos os matizes. A propósito, sua reivindicação de ter o direito de “criticar Israel” é mais autorreveladora do que eles próprios podem imaginar. Afinal, não há críticas à França, ao Japão ou à Rússia, mas apenas à política francesa, japonesa e russa. A referência às disputas políticas internas israelenses também não ajuda muito os “críticos de Israel”. Porque qualquer pessoa que fale sobre a política de Israel como não judeu e não israelense, especialmente na Alemanha, mesmo quando usa as mesmas palavras, pode estar dizendo algo muito diferente daquilo que é dito e pensado em Israel. É porque as pessoas creem poder contornar essa armadilha que as principais testemunhas judaicas e/ou israelenses que “criticam” Israel nos seus fundamentos são tão populares na Alemanha. Durante anos, um ou dois punhados dessas pessoas têm ganhado destaque na corrente principal da esquerda, mas estão em grande parte isolados em Israel.13

6. O conflito no Oriente Médio é também uma disputa por terras e recursos. O fato de ser percebido por muitos exclusivamente como tal é desastroso, mas, para simplificar, façamos de conta que se trata apenas disso: é incrível o quanto se ignora mesmo nesse nível.

Relatos sobre assédio israelense nos postos de controle, liquidação seletiva de palestinos, assassinato de inocentes pelo Exército israelense ou dificuldades vividas por muitos palestinos devido ao muro, à ocupação e à política de assentamento são oferecidas sob o impacto dos acontecimentos, muitas vezes em detalhes. O que as pessoas não sabem, nem querem saber, ou o que, na melhor das hipóteses, permanece obscuramente na consciência sobre o conflito, é, por exemplo, que até agora cada relaxamento dos controles tem sido usado para novos ataques terroristas; que as liquidações seletivas são dirigidas contra organizadores do terrorismo suicida e têm evitado muitos ataques; que Israel impede constantemente ataques suicidas, que na maioria das vezes nem sequer chegam aos nossos meios de comunicação; que o Hamas e companhia usam a tática dos “escudos humanos”; que após se antecipar em uma ampla retirada unilateral da Faixa de Gaza, Israel não colheu nada além de disparos contínuos de foguetes; que a carta do Hamas é um documento de delírio antissemita; que um Estado palestino poderia ter existido desde 1948 se o lado árabe tivesse preferido a coexistência com o Estado judaico a repetidas tentativas de destruí-lo.

Por que nada disso desempenha um papel relevante na percepção do conflito? O que move os “críticos de Israel” não é a preocupação com os palestinos. É apenas Israel. Podem improvisar um discurso sobre o massacre de Sabra e Shatila14, mas calam sobre o “Setembro Negro”15, os massacres das milícias xiitas Amal em campos palestinos entre 1985-8 ou as condições de vida degradantes que a maioria dos regimes árabes impõe aos palestinos. No entanto, essa atitude é coerente, pois não há em tais círculos qualquer preocupação com o número incontável de muçulmanos que sofrem há anos no Sudão. Por azar, são os muçulmanos que lhes impõe um massacre.

Mesmo se partimos do princípio de que os números palestinos relativos a mortos e feridos são verdadeiros16 – ainda assim não é disso que se trata. Só há manifestações, vigílias, cartas ao editor, manifestos ou petições quando Israel (e os EUA) podem ser acusados de algo. Quando não é esse o caso, as reivindicações altamente moralistas dos pacifistas alemães desaparecem rapidamente.

De modo inconsciente, estereótipos antissemitas são cada vez mais frequentes. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” diz o Antigo Testamento, o que não se coaduna de todo com a ideia do Novo Testamento como um “ensinamento de amor ao próximo” e do Antigo Testamento como “olho por olho, dente por dente”. Mesmo assim essa imagem culturalista é sempre invocada contra Israel. Também após a evacuação de Gaza, que foi apoiada pela esmagadora maioria da sociedade israelense, continua amplamente popular a mentalidade conveniente dos “fanáticos religiosos de ambos os lados que incitam uns aos outros”.

7. A recente guerra no Oriente Médio foi essencialmente uma guerra entre Irã e Israel. Infelizmente, há muitos motivos para temer que tenha sido apenas a primeira. O Hezbollah foi ao mesmo tempo um representante e um instrumento altamente eficaz do regime iraniano. O contínuo lançamento de foguetes contra Israel e o assassinato e rapto de soldados visaram deliberadamente o núcleo da segurança de Israel, desencadeando a guerra. Nenhuma instituição goza de tanta confiança entre a população israelense quanto o Exército. De cima a baixo, da direita à esquerda. O motivo é que os israelenses compreendem um pouco melhor que os pacifistas alemães a quem eles devem sua sobrevivência. É por isso que Israel não pode se dar ao luxo de reagir “com calma” ao rapto dos seus soldados, como foi recomendado por muitos que não entendiam a razão pela qual as pessoas reagiriam de forma tão “desproporcional” “só por causa do sequestro de dois soldados”. Quando ficou claro que o Hezbollah estava bem preparado para a guerra e quão Israel estava despreparado, muitos daqueles que eram realmente solidários a Israel ficaram novamente desiludidos: eles não acham que foi errado defender-se da ameaça do Irã e das suas forças auxiliares, mas desde então criticaram veementemente os erros políticos e militares que prejudicaram tais esforços.

Aqueles que demonstram realmente solidariedade com Israel não compreendem a situação, pois não compreendem o caráter do antissionismo e do fundamentalismo islâmico.

8. O aparelho militar israelense seria então o único a não deixar rastros de horror e a não desenvolver a sua própria dinâmica de brutalidade. O uso de bombas de fragmentação na guerra mais recente é um exemplo.17 Não há nada a encobrir. O que surpreende é a facilidade com que se toma ao pé da letra as afirmações óbvias da propaganda. Para citar um exemplo do último debate de esquerda, a sinopse de uma brochura sobre a guerra atual contém uma afirmação inquestionável sobre “cerca de 1200 mortes de civis” no conflito.18 De acordo com os números israelenses, cerca de 600 das quase 1000 vítimas do lado libanês eram combatentes do Hezbollah – o que é, evidentemente, difícil de verificar; mas o fato de que esses combatentes sejam amiúde apresentados como “civis”, de que eles colocam plataformas de lançamento e depósitos de armas em edifícios residenciais, clínicas, escolas e mesquitas, de que seguem a tática dos “escudos humanos” e que, assim, eles colocam os alvos dos seus ataques diante da escolha entre suportar tudo indefesamente ou de aceitar vítimas inocentes na tentativa de eliminar os agressores – tudo isso é bem conhecido e, quando visto objetivamente, deveria pelo menos suscitar mais ceticismo quanto às alegações de vítimas “civis” no Líbano. Por estranho que pareça, porém, não se fala do Hezbollah “aceitar deliberadamente um elevado número de vítimas civis”, mas sim de Israel.19

Discutir a questão de como derrubar uma base de lançamento alojada em um complexo residencial pode não estar à altura dos professores alemães; mas a sobrevivência dos israelenses depende disso. Foi somente a falta de precisão e de poder destrutivo dos mísseis do Hezbollah que impediu o assassinato em massa de israelenses dessa vez. O que teria acontecido se eles fossem equipados com granadas biológicas ou de gás? Aqueles que são realmente solidários com Israel não perdem tempo com isso.

9. A teocracia islâmica não é a Alemanha nazista, nem Ahmadinejad é Hitler. Às vezes, surgem comparações que dizem muito sobre a sensibilidade alemã. Porém, há uma sobreposição terrível entre os dois regimes: o antissemitismo, que se desenvolveu até à mania de eliminação. Isso não é negado pelo fato de que hoje não parece haver represália que ultrapasse o nível habitual contra os judeus remanescentes no país.20 Não se trata apenas de considerações táticas. Desde 1945, o antissemitismo gosta de se enfeitar, alegando o fato de que conta com “alguns judeus” entre seus “melhores amigos” e que, em todo caso, é contrário “apenas” a Israel. Embora a base de massa da mania de extermínio fosse claramente maior na Alemanha do que no Irã atual, ela também não é pequena neste último. Isso é demonstrado pelas centenas de milhares de gritos de “Morte a Israel!” nas manifestações de massa e na grande procura pelos cursos de treinamento para homem-bomba “pelos irmãos e irmãs palestinos”.

A teocracia já foi além da mera instigação e do apoio ao terrorismo suicida, chegando ao bombardeio efetivo de cidades israelenses por meio de forças auxiliares; mas ela persegue algo mais elevado: seu programa representa a solução final para a questão de Israel.

Teerã está (re)armando rapidamente o Hezbollah. As tropas da FINUL dificilmente parecem ser capazes de evitar isso. É questionável se o Irã será impedido de obter armas nucleares pelos “esforços internacionais” bastante tímidos e contraditórios. O Irã já tem sistemas de lançadores de foguetes que ultrapassam Israel.

“Vocês amam a vida, nós amamos a morte!”, eis o imperativo do islamismo, exemplificado pelos “Basij” sob o comando de Khomeini21, internalizado e muitas vezes concretizado pelos terroristas suicidas. Na teocracia iraniana, os delírios antissemitas de aniquilação e o pensamento apocalíptico do final dos tempos, junto com a mentalidade dos homens-bomba, assumiu a forma de uma busca pela arma nuclear. Diante desse desenvolvimento monstruoso, é obsoleto pensar em termos de dissuasão. Como um regime como esse poderia se assustar com a perspectiva de sua própria destruição ou a de seus aliados? Ele, que já queimou dezenas de milhares de seus filhos (!) como “buscadores de minas” ambulantes na guerra contra o Iraque, hoje leva multidões de jovens ao suicídio e usa sem escrúpulos a arma dos “escudos humanos”. Por que se desorientaria pela ideia de que os palestinos também perecerão no caso de eliminação do Estado judeu? De fato, por que temer a própria aniquilação? Afinal, há um lugar honroso na longa galeria de mártires.

10. Nos dias 8 de maio, 9 de novembro e, mais recentemente, no dia 27 de janeiro é comum na Alemanha que se jure o “Nunca mais!”. Ao mesmo tempo, um número alarmante de pessoas fecha os olhos para o fato de que atualmente está sendo preparado um novo programa de extermínio dos judeus. Se o “Nunca mais!” não tivesse se tornado uma frase vazia e caso tivesse consequências reais, serviria para organizar uma solidariedade prática com o Estado judeu, que, nas palavras de Paul Spiegel, é uma espécie de seguro de vida para todos os judeus, mesmo para aqueles que não vivem, nem querem viver lá.

Não há nada mais distante da mente daquele que só é realmente solidário com Israel. Afinal, já se banalizou “como pessoas pobres desesperadas” os homens-bomba, que em vídeos de despedida, com olhar radiante, se dizem ansiosos para chegar rapidamente ao paraíso e eliminar o maior número possível de judeus. Se lermos os comentários amplamente tolerantes com a política iraniana e como o Estado judeu é acusado de planejar um segundo Holocausto22, suspeitamos que os cânticos melancólicos de “nunca mais” serão eventualmente mencionados nos livros de história como a música de fundo da próxima tentativa de extermínio dos judeus.

Aqueles que realmente se solidarizam com Israel sem dúvida não sonham com a sua destruição nuclear; mas será que, mesmo assim, isso não os toca de alguma forma? Será que nunca lhes ocorreu a ideia de que Israel seria realmente o problema? Será que às vezes não acreditam secretamente que o mundo seria um lugar melhor sem o Estado judeu?

11. Israel enfrenta a ameaça de aniquilação desde o início até os dias atuais. Logo após 1948, a única chance de sobrevivência consistia em se colocar sob a proteção dos EUA. Se, em vez disso, tivesse implementado todas as resoluções da ONU contra si23, há muito ele não existiria. Aliás, isso é uma vergonha para todos aqueles que se dizem de esquerda. A começar pela União Soviética, que, após um breve apoio inicial, rapidamente abandonou Israel, na esteira da onda antissemita do stalinismo entre os anos 1940/50, a maior parte da esquerda até hoje tem de se perguntar o que realmente fez para garantir que Israel fosse possível. O novo ídolo do suposto “socialismo”, o “amado líder” Hugo Chávez, está atualmente dando um espetáculo particularmente nojento ao abraçar seu “irmão” Ahmadinejad diante das câmeras para acusar Israel de ser “pior que Hitler”.24

Como a (ainda) mais forte potência militar, política e econômica, os EUA, são um ator de peso impulsionado pelo processo de crise global da valorização da sociedade mundial da mercadoria e seu propagador; suas políticas contribuem para muitas situações catastróficas no planeta. É um golpe de sorte histórico, porém, o fato de que, na sociedade norte-americana, a mania antissemita não tenha ainda atingido níveis já comuns em outros lugares. Há uma relação entre a grande contribuição dos EUA para a destruição da Alemanha nazista e sua garantia decisiva para a existência do Estado judeu e ambas não podem ser subestimadas.

12. O futuro está aberto. Não é apenas a crise atual da sociedade produtora de mercadorias que torna concebível, em princípio, que um dia sejam rompidos os diques contra o delírio antissemita também nos EUA. Na política e na economia dos EUA, surgem sempre considerações muito concretas para um afastamento em relação a Israel. Há muito a ser dito sobre isso em termos de realpolitik. Ao contrário de seus inimigos, Israel é um país com sete milhões de habitantes e sem recursos naturais. Caso o abandonassem, haveria esperanças justificadas para os EUA de obter vantagens junto aos Estados e sociedades de maioria muçulmana, com mais de um bilhão de habitantes.

Por isso mesmo a incerteza sobre o que esperar dos EUA está fazendo com que os políticos israelenses se aproximem cada vez mais da União Européia. Em vista da estabilidade das políticas amplamente pró-palestinas, pró-árabes e pró-iranianas da UE nas últimas décadas, porém, é de se temer que isso signifique pular da frigideira para o fogo. Certamente não se pode contar de forma alguma com China e Rússia. Isso torna a situação de Israel ainda mais precária.

13. Uma ideologia não pode ser esmagada militarmente. A segurança militar não é uma segurança real de longo prazo. Esse truísmo enfatiza mais uma vez a situação difícil de Israel. Mesmo suas armas nucleares só poderiam ser usadas “muito cedo ou muito tarde”, conforme um de seus generais. No entanto, ainda é verdade que caso Israel não fosse decisivamente superior em termos militares a todos aqueles que desde o início pretendiam exterminá-lo, há muito já teria sido eliminado.

“Nunca mais!” foi e tem sido o lema israelense desde o início: nunca mais nos permitiremos ser massacrados indefesos e confiaremos antes de tudo em nós mesmos. Israel lançou várias vezes ataques preventivos antes que fosse tarde demais. E não ficará parado até que seus inimigos mortais estejam em condições de realizar um segundo Holocausto. Nem se pode esperar que o país fique de braços cruzados.

14. Negar àqueles que se perderam no delírio antissemita da aniquilação a oportunidade de pôr seus objetivos em prática – esse é o programa mínimo na luta contra o antissemitismo. Nenhuma arma nuclear para o Irã é hoje a exigência mais fundamental. Ela não deve estar sujeita a considerações táticas. É claro que os EUA, a UE e outras potências que atualmente (ainda?) apoiam essa exigência também têm em mente seus próprios interesses de grande potência, mas, em vista da ameaça concreta, isso deve ficar em segundo plano. É razoável não se opor a que o Estado tome medidas contra gangues nazis, mesmo que seus motivos não sejam puramente nobres.

Ainda não se sabe, porém, quanto tempo durará as exigências das grandes potências ao Irã. É bem sabido que a conivência com os regimes mais odiosos não é uma especialidade apenas europeia, russa ou chinesa; os EUA também têm muita prática nisso. Já há vozes dizendo que temos de “conviver com a bomba iraniana”. Isso teria consequências fatais para Israel.

15. No longo prazo, “o Ocidente” é um suporte altamente duvidoso para Israel. A culturalização e às vezes até mesmo a religionização dos conflitos é em alguns casos um reflexo do islamismo; ela tem parte da responsabilidade pelo cenário catastrófico que já se tornou realidade em partes do mundo e pode arrastar toda a humanidade para o turbilhão do “choque de civilizações”. Seja a “cultura dominante” alemã, a invocação religiosa constante e intensa de Bush, a tentativa de Ratzinger de afirmar a superioridade da sua própria religião ou a coleta de assinaturas contra mesquitas em Berlim – tudo isso é expressão de um fundamentalismo ocidental crescente que, por sua vez, está o tempo todo alimentando e promovendo seu adversário islâmico. A política mais recente dos EUA também é altamente ambivalente para Israel: por um lado, a garantia existencial, por outro, a tolerância à bomba nuclear paquistanesa, que poderia ser transformada em um golpe islâmico quase da noite para o dia, bem como o enorme fortalecimento do regime de Teerã como resultado da guerra do Iraque. É óbvio que a “alternativa europeia” não seria nem um pouco melhor; afinal, a teocracia só conseguiu desenvolver seu programa nuclear ao longo de décadas de amabilidade da UE com os supostos “reformadores”. Isso torna a situação de Israel ainda mais difícil.

16. Os chamados anti-alemães têm sido muito criticados. Com e sem razão. Seu grande mérito continua a ser o fato de erguer um espelho diante de uma esquerda hipócrita e ignorante e impedir que o tema do antissemitismo e das relações com Israel fosse removido da agenda. Sua referência ao antissemitismo árabe ou islâmico – seja ele “original” ou “importado” -, que pode ser rastreado até a Irmandade Muçulmana, surgida na década de 1920 e que ganhou uma influência explosiva já na década de 193025, também diz respeito a capítulos da história em relação aos quais muitos que ainda acreditam que Hamas, Hezbollah e similares são “uma reação à ocupação israelense” precisam apenas voltar para a escola.26

Infelizmente, muitos anti-alemães prestaram também um desserviço ao constituir um conflito exclusivamente ideológico onde a esquerda dominante percebe apenas um conflito territorial.27 Por mais que a ameaça de aniquilação contra o Estado judeu esteja no centro do conflito, não tem nada a ver com antissemitismo o fato de palestinos se indignarem quando colonos israelenses destroem seus olivais ou desviam quase toda a água potável de seus vilarejos. É apenas compreensível. Qualquer pessoa que deixe isso de lado e declare simplesmente que os palestinos são um “coletivo de assassinos antissemitas”28, não apenas ignora a diversidade das disputas reais, mas também oferece um bode expiatório para todos aqueles que sempre suspeitaram que iriam por um mal caminho se começassem a problematizar sua visão de mundo antissionista.

Infelizmente, a reação da esquerda aos anti-alemães foi e ainda é um caso bastante triste. Não entraremos na conversa fiada de conspiração do canto anti-imperialista, que há muito não sabe fazer outra coisa. Por mais justificado e necessário que tenha sido e seja apontar em círculos mais reflexivos que alguns anti-alemães se transformaram em ardentes defensores do Ocidente no “choque de civilizações”, foi errado e míope dar a eles o controle sobre as questões de antissemitismo, antissionismo e Israel. Isso contribuiu para que, até hoje, muitos acreditem que qualquer pessoa que aborde o antissemitismo e o antissionismo, que se oponha ao islamismo e defenda a solidariedade a Israel é um “guerreiro ocidental dos direitos humanos”.

17. Em vista dessa situação um tanto confusa, muitos preferem permanecer em silêncio. No entanto, um “não posicionamento” não esclarece nada, apenas promove mais confusão e mais paralisia. Em um mundo sacudido pela crise, no qual a mania antissemita está se espalhando, é difícil cometer um erro maior. Uma posição que não deseja participar do “choque de civilizações”, mas que se coloca contra ele, inclui necessariamente críticas resolutas ao antissemitismo, ao antissionismo e ao fundamentalismo islâmico, bem como solidariedade a Israel.

Quanto mais incerta for a sobrevivência do Estado judeu, mais as pessoas que abraçaram a causa da emancipação humana devem contribuir para garantir sua existência. Não apenas por causa de Israel e dos judeus, o que por si só já seria motivo suficiente, mas também porque, sem combater o antissemitismo, nenhuma associação livre de indivíduos será possível. E porque quanto menos espaço e liberdade de ação for dado ao delírio antissemita, menor será o perigo de o mundo afundar em um turbilhão bélico.

1 Jomhuriye Islami, 18.10.2006, zitiert nach http://www.honestly-concerned.org, Al-Kuds Sonderausgabe 2006.

2 Moqamevat. ir, 19.10.2006, zitiert nach http://www.honestly-concerned.org, Al-Kuds Sonderausgabe 2006.

3https://www.dw.com/pt-br/quatro-d%C3%A9cadas-de-influ%C3%AAncia-de-akbar-hashemi-rafsanjani/a-37063524

4 ISNA, 16.11.2006, zitiert nach http://www.honestly-concerned.org, Iran: Antijüdische Parolen und Kriegsdrohungen.

5 O conselheiro de Ahmadinejad e organizador da Conferência do Holocausto em Teerã, Mohammad Ali Ramin, afirma no site iraniano “Baztab” (28 de dezembro de 2006) que a mãe de Hitler era judia e que os governos soviéticos também eram judeus. Os judeus fundaram os Estados Unidos e foram responsáveis ​​pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Os judeus destruíram os arquivos do jornal russo Pravda. Ele atribui os ataques de 11 de setembro de 2001 à conferência de Durban. Ramin quer abrir um escritório em Berlim como chefe de uma nova “Fundação Mundial para a Pesquisa do Holocausto”. Tradução alemã da entrevista completa:

http://honestlyconcerned.info/bin/articles.cgi?ID=IR5307&Category=ir&Subcategory=19

6 ISNA, 16.11.2006, citado em http://www.honestly-concerned.org, Iran: Antijüdische Parolen und Kriegsdrohungen.

7 Um website oficial iraniano diz: “… o Mádi formará um exército para derrotar os inimigos do Islã em uma série de batalhas apocalípticas, nas quais vencerá o seu arquivilão em Jerusalém. A clarividência e a firmeza do Mádi diante de elementos maliciosos causarão admiração. Após a sua revolta a partir de Meca, toda a Arábia será submetida a ele e depois outras partes do mundo, enquanto ele marcha sobre o Iraque e estabelece seu governo global na cidade de Kufa. Então o Imam enviará 10 mil das suas forças para o leste e oeste para desenraizar os opressores. Nesse momento Alá lhe ajudará e uma após a outra as terras ficarão sob seu controle”.

http://english.irib.ir/IRAN/Leader/Illumination.htm

8 Freundschaft und Kritik. Warum die , besonderen Beziehungen‘ zwischen Deutschland und Israel überdacht werden müssen / Das Manifest der 25“, Frankfurter Rundschau, 15.11.2006

9 Siehe dazu z. B. : O. Kistenmacher, Vom „Judas“ zum Judenkapital, Antisemitische Denkformen in der KPD der Weimarer Republik 1918-1933, Olaf-Kistenmacher@web.de; I. Neidhardt/W. Bischof (Hrsg. ), Wir sind die Guten – Antisemitismus in der radikalen Linken, 2000.

10 Oliver Decker und Elmar Brähler unter Mitarbeit von Normann Geißler, Vom Rand zur Mitte, Rechtsextreme Einstellungen und ihre Einflussfaktoren in Deutschland. Im Auftrag der Friedrich-Ebert-Stiftung, Berlin 2006, S. 29.

11 “Eles vêm sobre nossa terra como gafanhotos! “, diz o filme de propaganda nazista “Jud Süß” sobre os judeus. http://www.shoa.de/jud_suess_film.html

12 Siehe Martin Kloke, Zwischen Scham und Wahn, Israel und die deutsche Linke 1945 – 2000 http://www.stud.uni-hannover.de/~muab/kloke01.htm

13 Uri Avnery ou Felicia Langer, por exemplo, estão presentes em todos os eventos alemães sobre a “paz no Oriente Médio”, enquanto a grande maioria dos israelenses não dá a mínima para o que eles fazem e pensam.

14 Onde os “falangistas” cristãos aliados de Israel mataram entre 460 e 3.300 palestinos durante a Guerra do Líbano de 1982, sob os olhos do então comandante-em-chefe Sharon; http://de.wikipedia.org/wiki/Massaker_von_Sabra_und_Schatila#_note-0

15 Onde o exército jordaniano provavelmente matou 40.000 palestinos em 1970; http://www.sozialwiss.uni-hamburg.de/publish/Ipw/Akuf/kriege/108_jordanien.htm

16 Por exemplo, fontes palestinas falaram inicialmente de 2.000 a 3.000 palestinos mortos no suposto “massacre de Jenin” em abril de 2002 e, posteriormente, de 500, enquanto até mesmo a ONU, que não é muito pró-Israel, logo depois confirmou essencialmente as alegações israelenses de 23 soldados israelenses e 52 palestinos mortos em combates casa a casa.

17 Há pelo menos alguma controvérsia a este respeito no exército israelita, o que não adianta nada para as vítimas; mas isso contrasta com o Hezbollah, que utilizou armas semelhantes e sobre o qual nada se sabe a respeito de divisões internas quanto a isso. Significativamente, não foram as ações do Hezbollah, mas os relatórios sobre as bombas de fragmentação israelenses que deram à Ministra Federal Wieczorek-Zeul a razão para quebrar o seu silêncio sobre a recente guerra no Médio Oriente e, claro, para condenar Israel. Parece que a antiga “Heidi Vermelha” conseguiu, pelo menos, salvar o antissionismo do seu passado de esquerda para o seu presente como membro do governo federal.

18 Bernhard Schmid, Der Krieg und die Kritiker, Münster, Oktober 2006

19 O mesmo aconteceu, é claro, com os 25 professores, op. cit.

20 De qualquer forma, a maioria emigrou depois de 1979.

21 “Muitas delas [das crianças usadas pela milícia Basij] morreram porque foram usadas para limpar campos minados: elas corriam em uma linha horizontal para o campo a ser limpo; para aquelas que pisavam em uma mina e morriam, novas crianças vinham atrás. Chaves de plástico eram penduradas no pescoço das crianças para abrir o portão do paraíso. Antes de as crianças serem usadas para esse fim, eram usados burros e mulas, mas eles fugiam em pânico assim que os primeiros animais eram despedaçados pelas explosões. Isso não aconteceu com as crianças preparadas para a missão e, portanto, foi mais eficaz”. https://de.wikipedia.org/wiki/Basidsch-e_Mostaz%27afin

22 Muitos alemães acreditam que Israel está “fazendo com os palestinos o que os nazistas fizeram”.

23 A ONU aprovou mais resoluções contra Israel do que qualquer outro país; até à data não existe uma única resolução da ONU contra os ataques palestinos a Israel.

24 https://web.archive.org/web/20070310181350/http://www.memritv.org/search.asp?ACT=S9&P1=1220

25 Siehe z. B. Mathias Küntzel, Djihad und Judenhass, Freiburg, 2002.

26 Não são apenas os autores do espectro anti-alemão que apontam a estreita colaboração das elites árabes com a Alemanha nazi. Veja, por exemplo. B. Mallmann/Cüppers, Crescente e Suástica, O “Terceiro Reich”, os Árabes e a Palestina, Darmstadt, 2006. A cooperação do Grande Mufti de Jerusalém, Al Husseini, com os alemães na preparação do extermínio planejado em 1942/43 para os judeus na Palestina descritos ali em detalhe podem não ser novidade para ninguém em Israel, mas, significativamente, são novidade para muitos, incluindo e especialmente para os esquerdistas alemães. O fato de esse plano ter sido interrompido por causa da derrota de Rommel em El Alamein pode ser desconfortável para aqueles que acreditam a que os meios militares são fundamentalmente errados na luta contra a ameaça da loucura antissemita, tal como a observação dos autores de que Al Husseini era “um fundamentalista islâmico e um nacional-socialista”. Veja também: Ninguém se importa com nossas vítimas. O Terceiro Mundo na Segunda Guerra Mundial, Berlim/Hamburgo 2005, página 179ss

27 Infelizmente, ver também Mathias Küntzel, op. cit.

28 Uma especialidade da revista Bahamas, entre outras, http://www.redaktion-bahamas.org