Ernst Lohoff
Publicado em alemão em 2011 Deutsche Version • Version française
Os preços das ações caíram vertiginosamente desde a quebra do Banco Lehman Brothers no outono de 2008. Segundo Welt Online, ativos de cerca cinco trilhões de dólares desapareceram em todo o mundo nas últimas semanas. Após o rebaixamento das notas de solvabilidade dos títulos do governo dos Estados Unidos pela agência de classificação Standard e Poor’s, os mercados financeiros devem descer a ladeira ainda mais.
Desde sua ascensão como indústria de base do sistema capitalista mundial nos anos 1980, a indústria financeira[1] sofreu alguns duros reveses. Mas os acontecimentos atuais têm uma nova qualidade. Em todos os episódios de crise anteriores nos centros capitalistas, por meio do endividamento, os Estados assumiram, em parte, o papel de carro de bombeiros. Desta vez é o carro de bombeiros mesmo que está pegando fogo.
Essa transformação do ponto de partida da crise não é um acidente, mas o resultado lógico do enfrentamento das crises anteriores. Seja o crash da “new economy” ou a grande crise financeira de 2008 – os mercados de capitais desabaram porque os investidores, desapontados com as taxas de retorno dos portadores de esperança do setor privado, outrora em alta, evitam comprar os ativos das “empresas do futuro” ou conceder empréstimos hipotecários inseguros. As instâncias estatais foram encarregadas de impedir uma ameaçadora espiral descendente na economia mundial. Os bancos centrais tornaram disponíveis, através de uma política de dinheiro barato, a matéria-prima para a formação de novas e ainda maiores bolhas financeiras. Os poderes públicos refrearam o declínio da chamada economia real com uma política de gastos expansivos e ganharam tempo com uma expansão acelerada de seu endividamento, até que a dinâmica de criação de capital fictício fizesse surgir novos portadores de esperança na economia privada. Após o crash da economia.com de 2000, este procedimento foi exitoso. A conjuntura econômica mundial ficou enfraquecida durante dois ou três anos, então uma série de bolhas, como a bolha imobiliária dos Estados Unidos, tornou-se bastante forte para permitir o retorno do crescimento da economia mundial. Depois da crise financeira de 2008, nenhum portador de esperança na economia privada se estabeleceu. De fato, a política de juros baixos e a nacionalização das perdas especulativas impediram o colapso dos mercados financeiros. No entanto, a produção da indústria financeira privada permaneceu abaixo do nível que teria permitido uma limitação do endividamento estatal. Os Estados de todo o mundo tiveram que gastar 15 trilhões de dólares para enfrentar a crise de 2008, aumentando o endividamento total de todos os Estados para 39 trilhões de dólares.
Não há previsão de melhoras. O endividamento estatal se tornou a mais importante bolha da indústria financeira, e é exatamente essa que agora está em vias de explodir. A política econômica se encontra agora num insolúvel dilema. Por um lado, o endividamento estatal deve prosseguir para evitar uma deflação. Ao mesmo tempo, o anúncio de orçamentos equilibrados é indispensável para simular a solvabilidade dos Estados. Esse dilema estrutural forma o pano de fundo do agudo pânico que tomou conta dos mercados financeiros desde a semana passada. Não se pode decidir, nem para a Europa nem para os Estados Unidos, o que tem acelerado mais o declínio do preço das ações: o medo dos efeitos deflacionários de novas medidas de austeridade ou as preocupações concernentes à solvabilidade dos devedores estatais.
É claro que o impasse permanece sem saída. A política econômica não tem mais qualquer margem de manobra, mas somente uma opção de política monetária. Como os bancos centrais não podem diminuir os juros, cujas taxas já se encontram extremamente baixas, eles compram os empréstimos dos Estados em dificuldades. Com isso, abre-se uma nova possibilidade de endividamento para os Estados e, por outro, impede-se uma desvalorização imediata dos títulos estatais que se encontram em circulação na indústria financeira. O capitalista total ideal (o Estado) faz algo que nenhum outro pode fazer: ele toma emprestado de si mesmo.
Há poucos anos, isso seria considerado o maior pecado contra a estabilidade monetária. Não sem razão: um banco central que, em vez títulos rentáveis, estoca títulos podres do Estado como reserva monetária, apenas transfere a crise para um novo terreno. A desvalorização da dívida estatal é adiada, cedendo lugar para uma latente desvalorização do dinheiro. A próxima etapa lógica do processo de crise é a passagem da crise dos orçamentos do Estado para a mediação do dinheiro. O capitalismo supera suas crises, preparando outras e ainda maiores. Isso já dizia Marx. Mas nunca o extintor da última crise se tornou o combustível da crise seguinte tão rapidamente como hoje.
(Esse texto apareceu na Jungle World 32/2011)
Tradução André Villar Gomez
Título original: Brennende Löschfahrzeuge
[1]
O autor chama de indústria financeira os mercados de capitais e os mercados monetários. Cf. Ernst Lohoff; Norbert Trenkle. La grande dévalorisation: Pourquoi la spéculation et la dette de l’État ne sont pas les causes de la crise. Post Éditions: 2014. p. 144.