31.12.2022 

Bater a meta com mais equilibrio. A crítica do trabalho da geração Y

por Norbert Trenkle
Traduzido por Marcos Barreira

Publicado em Jungle World, 2022/24
Deutsche Version

Os jovens já não querem trabalhar! Quando, no final dos anos 1970, a primeira geração crescida no chamado milagre econômico, os baby-boomers, chegou ao mercado de trabalho, eram grandes as preocupações da geração mais velha. Dizia-se que essas crianças dos anos 1950-60 já não tinham a disciplina de trabalho necessária, não estavam mais dispostas a se encaixar na hierarquia corporativa, não tinham um ethos de desempenho e que, de um modo geral, preferiam desfrutar suas vidas em vez de trabalhar duro. A psicologia diagnosticou um “novo tipo de socialização” marcada pelo narcisismo, hedonismo e consumismo; e a sociologia falou de uma “mudança de valores” fundamental (Ronald Inglehart), que andava de mãos dadas com uma orientação “pós-materialista” voltada para as ideias de auto-realização, autonomia individual e qualidade de vida.

Nem as previsões sombrias dos conservadores, que mais uma vez temiam uma espécie de declínio do Ocidente, se realizaram (vide a teórica da comunicação Elisabeth Noelle-Neumann), nem tampouco as esperanças da esquerda liberal de que a mudança de geração traria “um mundo do trabalho humanizado” ou até mesmo um desenvolvimento rumo à sociedade humana. Verificou-se, pelo contrário, que as necessidades da geração mais jovem eram bastante compatíveis com aquilo que o então emergente regime pós-fordista exigia dos vendedores da mercadoria força de trabalho.

Já não se buscava aquele soldado da empresa que repetia de boa vontade as mesmas e monótonas sequências de atividades, mas o indivíduo flexível capaz de tomar suas próprias decisões, lidar com situações imprevisíveis e controlar processos complexos. O fato de tais pessoas não levarem as horas de trabalho muito a sério, mas ficarem felizes em permanecer mais tempo na empresa se lhes for dada a sensação de trabalhar “sob sua própria responsabilidade” e “criativamente”, foi um efeito colateral bem-acolhido dessa reestruturação da produção. A rebelião contra as normas de trabalho fordistas logo se transformou em uma revolução na produtividade do trabalho, permitindo que o capital continuasse a se acumular apesar das fortes crises. A pressão do trabalho aumentou em vez de diminuir, pois cada vez mais responsabilidade era transferida para os indivíduos e a avaliação do desempenho tornou-se ainda mais individualizada. E também o tempo de trabalho, cuja redução ainda era considerada nos anos 1980 uma contribuição importante para melhorar a qualidade de vida e combater o desemprego, foi, desde então, ampliado novamente, mesmo na maioria dos setores cobertos por acordos coletivos – sem mencionar o crescente setor de trabalho precário, onde, em todo caso, 60 horas (ou mais) por semana já se tornaram o padrão miserável.

As consequências desastrosas desse desenvolvimento foram demonstradas de forma impressionante pelo estudo conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentado no ano passado: cerca de 750.000 pessoas no mundo inteiro morrem de ataque cardíaco ou derrame todos os anos porque trabalharam pelo menos 55 horas semanais. “Encontramos o fator de risco mais mortal no mundo do trabalho. Não são as máquinas, não é a poeira fina e sim a carga excessiva de trabalho”, diz Frank Pega, chefe do estudo, citado no Der Spiegel.

É mais do que compreensível, portanto, que a geração dos chamados Millennials, ou seja, aqueles que têm hoje entre 27 e 41 anos, aparentemente não esteja mais disposta a sacrificar sua vida inteira pelas suas carreiras em detrimento de todas as demais áreas da vida. Pelo menos é isso que o que apontam vários estudos recentes, por exemplo, o relatório “Working Better Together” da empresa dinamarquesa Workday, que, entre outras coisas, desenvolve uma “tecnologia de feedback” interativa, ajudando a “aumentar o engajamento e a produtividade dos funcionários” a fim de melhorar o “desempenho empresarial”.

Também fica claro que a atitude de receio em relação ao trabalho é muito individualista. Não se questiona o trabalho remunerado como tal, como ainda era o caso, pelo menos até certo ponto, no contexto dos Novos Movimentos Sociais dos anos 1980; em vez disso, busca-se um “equilíbrio entre trabalho e vida pessoal” – em outras palavras, as pessoas querem ter tempo e energia para o lazer e a família, ao lado do trabalho. Além disso, o trabalho deve “ter sentido”, embora o significado disso permaneça vago; mas se o “sentido” aparece, a geração Y se mostra ainda mais identificada com sua atividade e bem disposta para longas jornadas de trabalho, como mostra um estudo do Allensbach Institute for Public Opinion Research (IfD) de 2020. Não se pode falar, portanto, de uma recusa fundamental da pressão capitalista para o trabalho e o desempenho, mesmo que esta seja parcialmente criticada.

Essa atitude individualizada e contraditória não surpreende. Afinal, falamos de uma geração que cresceu na era do neoliberalismo e foi ensinada desde o início que o que eles fazem de suas vidas depende apenas de seu próprio desempenho. E em uma sociedade baseada na produção geral de mercadorias, o trabalho é o meio central de participação e reconhecimento social. A profunda transformação pós-fordista no mundo do trabalho não mudou isso. Pelo contrário: a flexibilização geral, bem como o aumento da concorrência e a pressão pelo desempenho só fizeram com que os indivíduos se voltassem ainda mais para si mesmos e seus interesses privados.

Como a perspectiva do todo social tem se diluído, as discussões sobre o “equilíbrio entre trabalho e vida pessoal” tendem a ignorar que a maioria das pessoas geralmente quase não tem possibilidades reais de escolha no interior do sistema de trabalho. Não se pode escolher uma atividade que seja dotada de sentido, nem se pode renunciar à “carreira” para ter mais tempo para si mesmo, mas simplesmente a sobrevivência obriga a suportar míseros empregos com longas jornadas na caixa do supermercado, na equipe de limpeza ou no serviço de entregas.

No momento, os centros capitalistas podem contar com a alta demanda por força de trabalho, de modo que se pode escolher mais facilmente entre diferentes empregos mais ou menos precários. Essa situação, porém, logo vai acabar. Além disso, a escassez de força de trabalho no setor precário pode ser facilmente atenuada pela imigração adicional. E, por último, a inflação está consumindo rapidamente os ganhos salariais relativos.

A relativa escassez de força de trabalho e a diminuição da motivação para o trabalho nos países ocidentais também têm razões demográficas. À medida que os baby boomers se aposentam, mais postos de trabalho se tornam vagos, pelo menos no segmento especializado, do que os que podem ser ocupados por profissionais mais jovens qualificados. Uma solução empresarial astuta para esse problema está sendo testada atualmente no Reino Unido. Lá, teve início em junho um projeto piloto em grande escala para introduzir a semana de quatro dias em 70 empresas, desde grandes bancos até restaurantes de Fish-and-Chips. A idéia partiu do empresário do ramo imobiliário e das finanças, Andrew Barnes, que fundou a ONG “4 Day Week Global”. Ele está convencido de que as pessoas podem ser tão produtivas em quatro dias quanto em cinco dias, pois elas ficariam mais motivadas e descansadas. A remuneração, assim, deve permanecer a mesma, mas os funcionários também devem se comprometer a fazer a mesma coisa de antes no tempo reduzido.

No projeto-piloto britânico, que está sendo acompanhado cientificamente, cabe agora examinar se esse cálculo realmente funciona. Se for esse o caso, vai ficar claro para onde ele nos levará se o modelo pegar: aos poucos, o novo padrão de produtividade, baseado em um trabalho mais intensivo e compacto, seria generalizado, enquanto os salários, apesar das promessas em contrário, cairão pouco a pouco, por exemplo, por falta de reajuste das perdas inflacionárias.

O conceito de 4 Day Week Global significa, portanto, precisamente o oposto do progresso emancipatório prometido. Não representa uma libertação dos ditames do trabalho e do desempenho, mas uma intensificação. Algo bem diferente é a demanda por uma redução radical do horário de trabalho, como a levantada pela 4-Stunden-Liga, uma aliança fundada em 2016 que defende a jornada de 4 horas. Trata-se de fazer recuar o trabalho assalariado para ter mais tempo para aproveitar a vida, para uma redistribuição justa das atividades de cuidado e para colocar um fim à destruição da natureza. Em outras palavras, ela não visa uma nova revolução da produtividade, mas uma ruptura com a lógica capitalista da eficiência e do desempenho. Para a geração boomer, essa crítica do trabalho pode parecer um fantasma de sua própria juventude. Na verdade, porém, ela é mais atual do que nunca.