26.09.2024 

Classe como palavra genérica

de Ernst Lohoff
publicado en Jungle World 7/2020

Deutsche Version: Plastikwort Klasse

Não é apenas a classe operária que tem uma longa história de profundas transformações revoltas, mas também – e em conexão com ela – o conceito de classe. No início disso está Karl Marx. Sua noção de classe combina dois elementos muito diferentes. Por um lado, o conceito de classe desempenha um papel fundamental na sua teoria da emancipação. A classe operária, de acordo com a tese central formulada principalmente em seus primeiros escritos, foi chamada a derrubar as relações de capital e a lutar pela libertação de todas as formas de opressão. Em segundo lugar, o conceito de classe faz parte da sua crítica da economia política. As três principais classes da sociedade burguesa, capitalistas, arrendatários e assalariados, operam ali como “personificações de categorias econômicas”. Há uma tensão entre esses dois momentos, na medida em que Marx, como teórico da emancipação, concebeu à classe operária um poder que transcende a relação de capital, enquanto o economista político tratou o interesse de classe como algo puramente imanente. Como personificação da mercadoria força de trabalho, a classe operária tem interesse apenas em vender sua mercadoria em condições favoráveis, ou seja, um salário alto e a limitação das horas de trabalho.

Marx combinou esses momentos antagônicos de seu conceito de classe com a tese de que, em última análise, a classe operária não poderia melhorar sua situação no interior da sociedade capitalista. Os proprietários da principal mercadoria do sistema capitalista, a força de trabalho criadora do mais-valor, eram sistematicamente excluídos de suas benesses, o que os tornava a negação humana da ordem capitalista e os portadores da libertação universal.

Dada a miséria proletária do século XIX, essa visão pode ter parecido plausível. Ironicamente, porém, foi justamente o movimento operário, originalmente sob a bandeira do marxismo, que lutou pelo supostamente inatingível. Em duras lutas que se arrastaram por muitas décadas, os vendedores de força de trabalho conseguiram obter reconhecimento como sujeitos livres e iguais do interesse e garantir para si uma fatia do bolo capitalista. O interesse de classe ficou reduzido, assim, ao que ele sempre foi na perspectiva político-econômica: um interesse monetário trivial que de forma alguma aponta para além da sociedade capitalista. O enfático conceito de classe de Marx, por outro lado, revelou-se uma construção histórico-filosófica puramente especulativa.

Durante muito tempo, o movimento operário permaneceu agarrado à ideia de que a classe operária foi convocada a superar o modo de produção capitalista. As ditaduras desenvolvimento estatal-capitalista chegaram a afirmar seriamente que haviam conseguido isso. A justificativa para a missão particular da classe, porém, mudou radicalmente. Se nos primeiros escritos de Marx a existência o assalariamento era considerado o ponto culminante de toda a “alienação”, seus herdeiros transformaram o trabalho e a existência da classe operária na base de todo orgulho de classe. Sob o lema “afastai os ociosos”, como diz a “Internacional”, o movimento operário queria reconhecer o que há de mais sagrado na sociedade burguesa como um princípio antagônico ao capital. Essa identidade de classe positiva, do operário europeu (weißen), fundada na religião do trabalho, não só não tem nada a ver com a “emancipação universal” (Marx), como também é totalmente compatível com a dominação racista e sexista.

Após a queda do socialismo real, o conceito de classe quase não desempenhou um papel nos debates de esquerda por um longo tempo. Isso agora mudou. Uma “nova política de classe” está em voga. Tendo em vista a história delineada acima e as várias camadas de significado do conceito de classe, os representantes dessa corrente deveriam, na verdade, explicar do que exatamente estão falando quando se referem à classe. Infelizmente, eles pulam exatamente essa etapa. Em vez disso, sempre se supõe uma identidade entre o ponto de vista da emancipação e o ponto de vista da classe.

No entanto, há uma contradição entre o conceito enfático de classe e o conceito político-econômico que decifra o interesse de classe como imanente. Não há razão para abandonar este último a fim de desenterrar o conceito enfático de classe. Os defensores da nova política de classe resolvem desastrosamente a contradição de forma inversa. Christopher Wimmer (Jungle World 5/2020) faz sua escolha de maneira explícita. Ele elogia a corrente operaísta por ter “arrancado o conceito de classe de uma teoria e prática de esquerda ossificada na crítica econômica e o repolitizou”. A maioria dos representantes da “nova política de classe”, por outro lado, reluta em descartar formalmente o conceito político-econômico de classe. Eles gostam de se referir a ele porque isso dá à sua invocação enfática de “classe” uma base “materialista”. No entanto, ao fazê-lo, eles de fato lhe retiram o significado.

Isso começa com os representantes da “nova política de classe” rotulando todas as lutas sociais de nosso tempo como luta de classes. O conceito político-econômico de classe diferencia as classes de acordo com sua posição no processo de produção. No entanto, quando as pessoas, juntas, se defendem das imposições capitalistas, elas geralmente estão unidas por outra coisa. Vejamos, por exemplo, as lutas contra o aumento dos aluguéis aqui na Alemanha ou contra a privatização da água em muitos países da África, Ásia e América Latina. Se ambas são lutas de classe, então o critério que determina o pertencimento à classe obviamente mudou. Classe não significa mais aqueles que são forçados a vender sua força de trabalho, mas aqueles a quem é negado o acesso a determinados bens.

Nos anos setenta, os partidários da luta de classes ignoravam a dominação sexista e racista. A “nova política de classe” não pode ser acusada disso. Para eles, a luta contra essas e outras formas de dominação é, com toda razão, parte integrante do programa emancipatório. Quando incluem todos esses conflitos sociais no conceito de luta de classes, porém, eles potencializam o caos conceitual. O termo classe se degenera em um rótulo que cria uma unidade imaginária de todos os oprimidos e a argumentação subjacente se torna circular. Uma vez que a resistência a qualquer forma de opressão atende a priori pelo nome de luta de classes, todo conflito social parece provar a existência e a vitalidade da classe.

A “nova política de classe” sacrifica o conceito analítico de classe da crítica da economia política para salvar seu conceito de classe enfático e completamente inflado. Essa formulação, por outro lado, permanece vaga. Como a identidade de classe baseada na religião do trabalho do antigo movimento operário não se encaixa mais nos tempos atuais, o interesse de classe deve se voltar contra a existência do assalariamento, como na época de Marx. No entanto, a construção histórico-filosófica de Marx não é reabilitada e, ao mesmo tempo, o conceito de classe é completado externamente com todo tipo de acessório de crítica da dominação. O novo conceito de classe parece, portanto, uma combinação de várias citações históricas que não se encaixam realmente.

Em 40 anos de neoliberalismo, o processo de isolamento ganhou uma nova qualidade e a competição geral impregnou as relações sociais. No decorrer do processo de crise capitalista, prevalecem as forças centrífugas que dilaceram esta sociedade, enquanto a polarização social também aumenta. Isso levante a questão de como poderia ser um processo ressolidarização social com objetivos emancipatórios. Diante desse desafio, a invocação de um ponto de vista de classe se torna uma ação substituta. A palavra classe cria uma unidade imaginária de correntes emancipatórias onde seria o caso de formular uma perspectiva anticapitalista real. A referência à crítica da economia política é essencial aqui; mas não para derivar dela um ponto de vista de classe positivo, mas para a negação específica do modo de produção e vida capitalista, estabelecendo a base para a reconstrução de um movimento de emancipação social diversificado, para além das fixações identitárias.

Tradução: Marcos Barreira